…Ele [Martin] e o diretor de “Blackwater”, Neil Marshall, mostraram-me algo que eu nunca tinha visto antes. Algo que nem mesmo nas imagens criadas em minha mente ao ler sobre a Batalha da Água Negra no livro A Fúria dos Reis do George R. R. Martin (que escreveu o episódio também) chegaram perto de capturar adequadamente. É isso mesmo: Um programa de TV disputou com a minha maldita imaginação e ganhou…
Quem já assistiu Centurion (2010) vai se identificar com o aspecto sombrio presente logo na primeira cena do Blackwater. O diretor Neil Marshall ficou conhecido por filmes que, apesar de terem um baixo orçamento, são carregados de cenas de ação e batalhas violentas. E a violência foi algo recorrente nesse episódio. Vimos corpos sendo cortados ao meio, cabeças sendo esmagadas por pedras, pernas voando depois de serem atingidas por um anão com um machado e ainda mais. Só que tudo isso foi bem empregado e com um tom extremamente realista.
Liam Cunningham em “Centurion” |
Acredito que essa tenha sido a combinação perfeita pra tornar Blackwater o que ele foi: Um episódio épico em diversos níveis. Isso tudo e mais a interpretação dos (poucos) atores que integram o núcleo de Porto Real e que, logicamente, foram os únicos a estarem presentes durante o ataque à cidade que tomou os cinquenta e quatro minutos do episódio sem direito a interrupções.
“Eu tenho fé em no Senhor da Luz. Eu tenho fé na nossa causa e eu tenho fé no meu capitão” |
Primeiro acompanhamos a perspectiva do barco de Stannis Baratheon, com seu capitão (e futura Mão, vide o capítulo anterior) Davos Seaworth, seu filho Matthos e os soldados vomitando depois de dias confinados e viajando pelo mar. O momento familiar entre pai e filho funciona meio que como uma despedida – aquelas despedidas típicas que sempre ocorrem quando um personagem vai morrer (e por causa delas você já imagina isso antes que a morte aconteça). Mas nesse caso o diálogo foi muito rico, o discurso do Matthos foi muito bom, demonstrou bem o caráter do personagem, a fé que ele possui no pai, na causa do rei Stannis e no Deus Vermelho da mulher vermelha que anda sumida desde o capítulo 2.04 (quando ela deu a luz à sombra). Tudo muito bem escrito. Salve o Jorge! E isso ainda não é nada comparado às cenas que ainda estão por vir.
Em seguida vemos o Bronn cantando “As Chuvas de Castamere” em coro com os soldados Lannister em uma taverna. A prostituta Aremca (que segundo a Ros no capítulo 2.01, se fingia de muda para atrais os clientes) estava com ele, peladinha e mais falante do que nunca. O ator Jerome Flynn além de fazer um excelente mercenário foi cantor em meados dos anos 90, talvez por isso tenham se aproveitado da voz dele. Mas o clímax da cena é a chegada do Cão de Caça. E aí vemos dois dos melhores matadores da cidade discutindo por que… Discutindo por que mesmo? Como se eles precisassem de um motivo para discutir. Sandor Clegane nunca gostou muito do Tyrion e, consequentemente, do Bronn, isso pra ele já basta. E de quem o Clegane gosta, afinal? Em uma cena posterior desse mesmo capítulo nós descobriremos.
E o som dos sinos nas torres são a deixa para a cena do Varys com o Tyrion, onde é citada mais uma vez a feiticeira vermelha de Asshai e onde ele ressalta que o Duende é o único homem que pode salvar o reino de ver um seguidor da tal religião do Senhor da Luz chegar ao Trono. A Aranha também apresenta o mapa dos túneis abaixo de Porto Real, que será cruciais para o resultado da batalha mais tarde. Um diálogo importante à respeito de confiança ocorre aqui, não só na relação do Tyrion com o Varys mas também com o escudeiro Podrick, relação essa que foi praticamente deixada de lado pelos demais roteiristas nos capítulos anteriores. Obrigado mais uma vez, George.
Jack Gleeson consegue ficar mais irritante a cada capítulo. Quando Joffrey obriga a Sansa a beijar a espada ‘Devoradora de Corações’ eu quase torci pra que ela pegasse a espada e cravasse no meio da cara dele em uma daquelas cenas sangrentas dignas de Marshall, mesmo que isso fosse fugir totalmente da história dos livros. Mas tudo bem, o modo como a Sansa faz ele passar vergonha ao comparar ele com o irmão já foi suficiente. E entendam que, quando digo que o Gleeson é irritante isso não é uma crítica, muito pelo contrário, o cara tem que ser irritante. Afinal de contas, existe alguém mais irritante que o Joffrey? Para alguns apenas a mãe dele, que também deu um show à parte nesse episódio.
E por falar em show à parte, a Sophie Turner esteve excelente do início ao fim. Ela conseguiu demonstrar bem que a Sansa amadureceu muito desde aquele dia em que ela foi presenteada pelo saudoso pai com aquela boneca, lá no início da primeira temporada. E além de ser uma tremenda gata, a moça ainda possui uma bela voz, como foi visto quando ela cantou o hino ao lado das ‘galinhas amedrontadas’ da Cersei. A interação dela com a rainha e com a Sibel Kekilli (Shae) também foi sensacional, mas a cena dela que merece destaque é aquela em que depois de correr para o seu quarto ela se depara com o Cão. A Sansa sempre teve medo do Cão, e quase nunca fez muita questão de esconder isso. Mas nessa cena em particular a garota parecia ter certeza de que ele não a iria fazer mal à ela (talvez no fundo ela sempre tivesse), afinal, pode parecer estranho, mas os dois tem coisas em comum. O Cão passou boa parte da vida sendo amedrontado pela crueldade do irmão mais velho, a Montanha, e a marca de queimadura em seu rosto é a prova disso. Quando ele vê a Sansa sendo mantida prisioneira e sendo ameaçada por todos os lados, tanto pelas crueldades do Joffrey como pelas da rainha, acredito que ele sinta certa necessidade de protegê-la pois, a principal diferença entre eles talvez seja a de que a Sansa não pode se defender sozinha, mas ele sim. Tanto que ele não teve nenhum pudor ao mandar o rei se foder publicamente.
A jovem Stark sempre valorizou muito a beleza exterior. Lembra de como ela era apaixonada pelo Joffrey no início da série? (Segundo ela, o moleque tinha alguma beleza exterior. Mas as pessoas normais sabiam ele era tão feio por fora quanto por dentro). Agora ela vem percebendo que são os caras “feios” que realmente se preocupam com ela, como o Tyrion e o Cão de Caça, que como vimos nesse capítulo, foi muito mais cavaleiro do que os outros membros da Guarda Real que a espancavam a mando do rei.
O ator Rory McCan esteve excelente o episódio inteiro. A brutalidade do Cão de Caça, que é sem dúvida um dos meus personagens favoritos, foi bem explorada quando ele diz frases como “Se algum homem morrer de espada limpa, eu vou violar seu maldito corpo” ou “Se alguma dessas flechas flamejantes passarem perto de mim eu te sufoco com suas próprias tripas”. E pra aqueles que não entenderam o motivo do Sandor ter fugido da batalha, foi por que ele tem medo de fogo, como foi mostrado nessa última citação e como ele mesmo disse pra Sansa depois, “Eu vou embora pra algum lugar que não esteja em chamas. O Norte talvez.”
“Foda-se a Guarda Real. Foda-se a cidade. Foda-se o rei.” |
Bom, o motivo pra ele ter medo de fogo? Isso tá na cara, literalmente.
E já que estamos falando em fogo, como não mencionar aquela fantástica explosão de fogovivo? No momento em que eu vi aquilo comecei a soltar palavrões na frente da televisão (Sim, às vezes eu xingo quando fico impressionado – e nesse caso fiquei muito e positivamente impressionado). A Pixomondo, empresa responsável pelos efeitos especiais nessa segunda temporada de Thrones, também foi responsável pelos efeitos de filmes como Hugo (2011), que recebeu um Oscar por isso no ano passado. Depois de ver essa sequência tive a certeza de que o dinheiro dos dragões e lobos economizado em outras cenas foi bem gasto pela produção. Blackwater foi um épico de nível cinematográfico e com certeza já entrou pra história das séries de TV.
O Peter Dinklage só não carregou o episódio nas costas por que seus colegas de elenco também não fizeram nada feio. Aquela cena do início, em que ele em diálogo com o Bronn relembra o dia em que ele matou um dos homens das Tribos do Vale (salvando assim a vida da Cat, como eu mencionei em minha resenha anterior) foi muito boa e mostra também como a amizade dos dois evoluiu. Quem melhor que o Martin pra fazer do anão um cara engraçado sem que o mesmo deixe de ficar sério? Podemos ver bastante disso nesse capítulo, como quando ele erra propositalmente o nome da Shae naquela ótima cena com a Sansa, para que a mesma não desconfie do envolvimento deles.
Mas sem nenhuma dúvida a vitória na batalha com certeza foi em grande parte graças ao brilhantismo do Meio-Homem. Aquela cena do discurso depois do Joffrey ter debandado do campo de batalha foi genial! Não é a toa que o Duende entrou pra lista dos personagens mais históricos do últimos anos. E certamente o seu intérprete tem algum crédito nisso.
E, seguindo a estratégia previamente montada por ele com a ajuda do Varys e do mapa, Tyrion e os soldados de Porto Real atacam os homens de Stannis pelas costas, chegando até eles através dos túneis antigos construídos pelos Targaryens para o caso de uma fuga, e que davam do lado de fora dos portões.
Fucks given: 0 |
Agora sim, vamos falar da Headey. Ver a Cersei bêbada é um experiência única. Se não fosse ela e as suas alfinetadas pra cima da Sansa, da Shae e do Lancel, aquelas cenas das mulheres escondidas naquela espécie de porão teriam sido chatas e repetitivas. Nessa cena também vimos personagens que estiveram sumidos por certo tempo, como Sor Ilyn e Sor Dontos. Vocês lembram daquele cavaleiro que a Sansa salvou e que virou bobo no primeiro episódio? Então. Ele apareceu nessa parte “entretendo” as senhoras nobres da cena com malabares, pena que a presença dele passou despercebida tanto para a audiência quanto para as figurantes ali presentes.
Mas o grande momento da rainha no episódio foi sem dúvida a cena final na Sala do Trono com o filho mais novo, Tommem. Tudo nessa cena foi bem executado, desde o desempenho dos atores até a forma como ela é mostrada: A Sala do Trono escura, com a fumaça das fogueiras colocadas pelo Joffrey ali apagadas, equando a Cersei começa a contar a história para acalmar o garoto, e eles vão mostrando os momentos finais da batalha em câmera lenta (Eu já estava preocupado achando que não ia ter câmera lenta nesse episódio). Até mesmo a história em si foi proveitosa e muito bem escrita, nela a rainha faz menção à muitas das maiores Casas de Westeros curvando-se diante do pequeno leão. A hora em que o Tywin, Loras e o exército de Jardim de Cima chegam montados em seus cavalos é mostrada perfeitamente pelos olhos do Tyrion (como todo o restante da batalha que foi mostrada do ponto de vista daqueles que estavam envolvidos nela, e não do ponto de vista geral, o chamado “olho de Deus”, que vem de cima e é visto comumente nos cinemas), que estava agonizando depois de ter sido repentinamente atacado por um dos membros da Guarda Real.
O capítulo termina com a cena do Tywin adentrando triunfante a Fortaleza Vermelha e do veneno caindo e quebrando no chão, depois que a Cersei abraça aliviada o Príncipe Tommem. E depois, pra fechar com chave de ouro, ouvimos o hino dos Lannisters, – o mesmo cantado anteriormente pelo Bronn e seus companheiros soldados – dessa vez interpretado pela banda The National, nos créditos finais.
Enfim. Blackwater superou todas as minhas expectativas, assim como superou as expectativas dos criadores D.B. Weiss e David Benioff (vide essa entrevista). Esse é o segundo capítulo escrito pelo George R. R. Martin para a série de TV (o outro foi o oitavo da primeira temporada: “The Pointy End”), mas sem dúvida foi o melhor e mais importante. Talvez o melhor de toda a série até então. Vamos esperar que o season finale no próximo domingo mantenha o alto nível desse término de temporada.
E vocês, o que acharam? Os comentários estão aí para que possamos discutir SEM SPOILERS.