Há um tempo atrás escrevemos uma postagem explicando algumas coisas peculiares do mundo de As Crônicas de Gelo e Fogo. Pessoalmente, algo que sempre mexeu com minha cabeça são as estações. Em suma: as estações do ano em Westeros têm durações imprevisíveis, os invernos e verões durar muitos anos. No início de Game of Thrones, o último verão durou uma década, por isso muitos temem que um inverno longo e rígido esteja chegando.
Eu sempre me perguntei: do ponto de vista planetário, como é que a coisa toda funciona? Ok, estamos num mundo ficcional e mágico, mas será que dá pra encaixar algo de científico nisso? O portal io9 fez uma excelente postagem sobre o assunto, que você confere na íntegra a seguir.
Nós, os terráqueos do mundo real, sabemos de antemão que as estações vão mudar num momento definido. A estações do ano do nosso planeta , que funcionam como um reloginho, nos permitem predizer a passagem do tempo com precisão completa, e podemos ter certeza que a primavera está logo adiante. O mesmo não pode ser dito, no entanto, dos habitantes de Westeros.
Por que isso? E quais são as possíveis explicações científicas para as estações longas e imprevisíveis de Westeros? Uma característica única do mundo d’As Crônicas de Gelo e Fogo de George RR Martin é a extrema variabilidade das estações. Verões e invernos podem ter duração indeterminada, deixando seus habitantes imaginando o quanto a estação atual vai durar — e quanto eles podem esperar que dure a próxima. Na abertura da segunda temporada de Game of Thrones, a boa gente dos Sete Reinos aprende que o verão, que durou sete anos, está chegando ao fim e, com ele, o início do que pode ser um inverno longo e amargo.
Isso parece ótimo para fantasia, mas isso é realmente possível? E há alguma chance de que as estações de duração variável retratadas em Game of Thrones poderiam eventualmente acontecer na Terra?
A resposta é sim. E de fato, há pelo menos 5 explicações científicas que podem ajudar a explicar o que está acontecendo nos Sete Reinos.
As estações da terra são causadas pela inclinação do eixo de rotação – um desvio de 23.4º, para ser exato. A direção do eixo de rotação da terra é permanece quase fixo no espaço apesar do fato de estarmos girando ao redor do Sol. Como resultado, dependendo da localização da terra durante sua órbita, o hemisfério norte está inclinado em direção ao sol, causando lá o verão. 6 meses depois, quando a terra está no lado oposto do Sol, o hemisfério norte está inclinado na direção oposta do Sol, resultando no — sim, você está certo — inverno. As estações são invertidas, obviamente, para o hemisfério sul.
As próprias estações são resultado dessa alternância de exposição à luz do Sol. Em regiões temperadas e polares, as estações são marcadas pela intensidade da luz que atinge a superfície da terra. Menos luz, mais frio. Faz sentido.
É importante notar que o eixo de rotação da Terra é extremamente estável. Se não fosse, haveria estações com durações imprevisíveis, bem como as que existem em Game of Thrones.
Mas, ainda bem, nós temos a Lua. Ou mais especificamente, nós temos uma lua muito grande. A lua da terra é desproporcionalmente grande em comparação com outros satélites planetários no nosso sistema solar. E sem ela, poderia não haver nenhuma estação, ou as estações poderiam ser muito diferentes das que estamos acostumados. A Lua tem o efeito de estabilizar a inclinação do eixo rotacional da Terra. Sem ela, a terra seria um pião maluco.
Agora, de volta a Game of Thrones, no episódio “The Kingsroad”, nós vemos que o planeta tem pelo menos uma lua. É possível, portanto, que eles tenham uma lua muito pequena ou distante, o que está causando a inclinação variável do eixo do seu planeta.
É interessante notar que, de acordo com a lenda (contada por Irri, no mesmo episódio), existiam duas luas, mas “uma vagueou muito perto do Sol e abriu por conta do calor” libertando mil dragões. Bem, dragões de lado, é concebível que alguma espécie de evento cataclísmico celeste tenha feito desaparecer a segunda lua, que tenha deixado o eixo do planeta maluco.
Aqui na Terra, não estamos completamente imunes deste problema. Se nossa lua for desviada da atual órbita, por exemplo, por algum enorme corpo celeste ou explosão nuclear, poderíamos estar em apuros.
É um mito comumente propagado de que as estações da Terra são causadas pela sua proximidade do Sol. Isso faz sentido para uma perspectiva intuitiva; a Terra tem uma órbita elíptica ao redor do Sol, o que indicaria que, quanto mais longe do Sol, mais fria ela seria. Assim, a localização da terra no afélio (o ponto mais longe do Sol) indicaria inverno.
Mas este não é caso. A Terra possui uma órbita elíptica, mas é praticamente um círculo. Nossa distância do Sol no afélio não possui praticamente nenhum impacto no clima da terra, embora alguns especialistas acreditem que isso deva contribuir para os invernos moderados do hemisfério sul.
Agora, dito isto, nem todos os planetas tem uma órbita quase circular como a Terra. Mercúrio, por exemplo, tem uma excentricidade orbital maior do que a de qualquer outro planeta do sistema solar: 0.2056 (a da Terra é de 0.0167). Quanto mais próxima de zero a excentricidade da órbita, mais próxima de ser circular a órbita é.
Em Game of Thrones, é bastante possível que o mundo tenha uma órbita muito excêntrica ou alongada. Diferente da Terra, esse mundo poderia estar extremamente longe do Sol no afélio, o que explicaria os longos e severos invernos. Por outro lado, durante o periélio, o planeta teria um verão prolongado. Acontece isso com nosso vizinho Marte: ele experimenta uma ampla variação de temperatura e tempestades de poeira violentas todo os anos, quando ele atinge o periélio.
O problema com essa teoria, no entanto, é que ela não explica a imprevisibilidade das estações. Os cida
dãos dos Sete Reinos ainda observariam ciclos anuais consistentes e estações de duração definida, mesmo se elas fossem mais longas do que o que estamos acostumados na Terra. Então esta teoria, pelo menos sozinha, não é uma explicação muito boa.
A Terra está sujeita a algumas tendências planetárias (bem) mais longas. Variações na excentricidade orbital, inclinação axial e precessão da órbita da Terra podem determinar padrões climáticos que podem levar dezenas de milhares de anos para fazerem diferença. Leva cerca de 26 mil anos para o eixo da terra completar um ciclo completo de precessão (a mudança na orientação do eixo rotacional de um corpo que gira), enquanto ao mesmo tempo a terra está orbitando a uma velocidade variável. O efeito combinado destes dois fenômenos criam uma estação astronômica de 21 mil anos. É a isso que se refere o termo “Ciclo de Milankovitch“.
Essa sazonalidade de longo prazo muda lentamente o clima da terra, tipicamente resultando em invernos mais frios no hemisfério norte. Acredita-se que os ciclos de Milankovitch são os culpados pelas eras glaciais do passado da Terra. E sem contar o aquecimento global de origem antropológica, os modelos atuais sugerem que o clima quente atual pode durar mais 50 mil anos.
Todos os planetas têm seu próprio ciclo de Milankovitch que afetam o tempo e as estações de formas únicas. As calotas polares de Marte variam de tamanho de acordo com a instabilidade orbital relacionada a um ciclo de Milankovitch latente. E Titã, lua de Saturno, tem um ciclo de 60 mil anos que muda a localização dos seus lagos de metano.
Observando a situação em Game of Thrones, é possível que o ciclo de Milankovitch do planeta seja rápido e complexo. Se este for o caso, as estações seriam sujeitas a variações tanto em duração quanto em intensidade — exatamente o tipo de coisa que vemos na série. Tais tendências de longo prazo podem ser previstas quando analisamos a física por trás delas, mas não parece ser o tipo de coisa que os observadores, numa era semelhante à medieval, possam medir ou antecipar.
O clima de qualquer região é profundamente influenciado por fatores como sua latitude e proximidade a amplos corpos de água. Tome o Polo Sul, por exemplo. Está no meio da Antártida e a uma distância considerável da influência moderada dos oceanos do Sul. O Polo Norte, por outro lado, está no oceano Ártico, e seus extremos de temperatura são suavizados pela água. O resultado é que o Polo Sul é consistentemente mais frio durante o inverno no sul comparado ao Polo Norte durante o inverno no norte.
Correntes marítimas e ventos predominantes também podem ter um impacto no clima, e eles próprios podem estar sujeitos a variações cíclicas. Correntes como El Niño e La Niña impactam em climas regionais em escalas de tempo tão longas quando cinco anos ou mais. O poder dos ventos Chinook, uma corrente quente canadense, é amplamente imprevisível, mas seu impacto nas Pradarias Canadenses é relevante.
Os Sete Reinos podem estar sujeitos a estes tipos de tendências climáticas de longo prazo. A geografia do seu mundo pode ser consideravelmente diferente da da Terra. O mundo de Westeros pode conter oceanos mais amplos, montanhas maiores, correntes mais fortes e ventos predominantes mais poderosos — os quais podem se combinar para criar tendências climáticas longas e imprevisíveis.
Vale notar que o aquecimento global e o elevamento do nível dos oceanos na Terra estão diminuindo a intensidade das correntes marítimas. Alguns experts acreditam que isto pode resultar em uma nova era glacial.
Também é possível, obviamente, que é através da combinação de alguns ou de todos estes fatores que a variabilidade sazonal de Game of Thrones pode ser explicada. Como mostramos, sazonalidade e mudanças climáticas claramente são o resultado de muitos fatores.
Independente disso, é hora de se empacotar. O inverno pode estar chegando.
Artigo original: 5 Scientific Explanations for Game of Thrones’ Messed-Up Seasons
Referências adicionais: Axial tilt na Wikipedia, Eclipitic na Wikipedia