Há 35 anos, George R. R. Martin entregava a editora seu primeiro romance. “A Morte da Luz”, publicado somente no ano passado pela editora Leya aqui no Brasil, é uma ficção científica extremamente bem escrita e rica, podendo ser considerada por alguns leitores lenta e de linguagem difícil de se assimilar. A trama deste livro é intrincadíssima para aqueles que não estão habituados com o clima de romances scifi. Principalmente no começo do livro, onde Martin parece viajar dentro de si mesmo tentando encontrar um lugar confortável para colocar seus personagens. Em A Morte da Luz temos duelos, vôos insanos através do deserto, caçadas sangrentas, amizades estranhas, naves espaciais e equipamentos anti-gravidade muito legais, traição, romance e cidades tristes cantando canções tristes enquanto o mundo desliza devagarinho para uma noite sem fim. O livro foi traduzido pela Márcia Blasques, a mesma professora da USP que teve a responsabilidade de adaptar A Dança dos Dragões para a língua portuguesa no Brasil.

Vikary e Gwen

Na história conhecemos Dirk t’Larien, um rapaz que vive no mundo de Braque e não faz nada expressivo em particular. Dirk recebe de seu antigo amor, Gwen Delvano, uma jóia sussurrante que ele havia lhe dado anos atrás. A jóia seria um sinal, um chamado para que ele voltasse pra ela. Seja para voltarem e ficar juntos ou por que ela poderia estar em apuros, possivelmente. E então ele descobre que ela está trabalhando como um ecologista em Worlorn, um planeta errante vagando nos limites da galáxia. No passado, Worlon foi palco de um grande Festival, justamente quando o planeta trilhava bem próximo a um sistema solar que aquecia e nutria todo ser vivo daquele lugar. Durante a época do Festival, as cidades de Worlon estavam em seu ápice de desenvolvimento tecnológico. Mas isso foi há muito tempo.  Agora, o planeta está se afastando do sistema estelar, condenado a um inverno eterno e a uma noite perpétua no espaço interestelar. As atrações e cidades construídas para o Festival estão agora fechadas e abandonadas, e apenas alguns loucos, cientistas e estudiosos permanecem no lugar. É o caso de Gwen, seu marido maluco e seus irmão de grupo. Worlorn tem cidades construídas por quatorze diferentes civilizações, e neste livro vemos apenas cinco das cidades e três das culturas. No entanto, a ilusão de profundidade da história real, e parte disso é mérito da maneira com que Martin inventa nomes e expressões. Martin é surpreendentemente bom para nomes de cidades, atrações, planetas, pessoas, e principalmente a maneira que esses nomes podem definir quem você é.

Dirk desembarca neste lugar inóspito para descobrir que sua Gwen é indiferente a sua companhia e, embora sempre educada e misteriosa, não demonstra muito prazer de vê-lo. Pior ainda, Dirk descobre que ela se casou durante os anos que eles ficaram separados e, aparentemente, o convite através do chamado da jóia significaria que ela gostaria de cortar os laços finais com ele de uma forma limpa e definitiva. Mas… horas depois Dirk descobre que seu casamento é infeliz, e a jóia poderia ser um grito de socorro dela para ser resgatada, e que talvez ela ainda o ame apesar de tudo.

Martin mostra através da narrativa deste livro como a cultura pode ser tanto uma prisão e uma fonte de poder, com uma visão de mundo onde cada pessoa é cega para a visão de mundo do outro. Ele é realmente muito bom em criar culturas esquisitas mas completamente plausíveis. Dessa maneira não existe de verdade um herói e vilão, porque o contexto social e histórico é algo muito maior do que o bem e o mal. Alguém lembrou de A Dança dos Dragões?

Levantando mais paralelos com as Crônicas de Gelo e Fogo, vemos bem no começo do livro dois elemento de linguagem extremamente recorrentes na maneira que Martin cria sua narrativa em seus outros livros. Primeiramente, as suas maravilhosas descrições de pratos típicos. Uma das minhas cenas preferidas do livro se dá quando Gwen e Dirk realizam um desjejum na cidade fantasma de Desafio. Dirk escolhe no menu um dragão de areia servido na manteiga e Gwen pede ovos azuis com queijo. E então o robô os servem com pratos quentes de prata e ossos. Depois disso, um café negro e grosso com creme e especiarias. Em cenas como essa onde Dirk e Gwen discutem a relação, tive a impressão de que eu estava lendo algo muito pessoal. Uma história de amor onde esse cara se recusa a ir embora sem levar a mulher que sempre amou. É algo extremamente recorrente e mundano, e por isso parece ser tão pessoal. É a história de uma pessoa que se recusa a ser deixada. Martin estava escrevendo essa história pra… quem? Lembrando que Gwen é a única personagem feminina do livro. Isso é fácil de se perceber através da maneira que a personagem de Gwen é sempre descrita, o que me leva ao segundo elemento importante, que é a demonstração da mulher como um dos seres mais esmagados pelo machismo em diversas culturas. Gwen tem uma relação muito esquisita com seu “marido”. E a maneira como ela vê essa relação também é bastante esquisita. É a maneira que ele encontra de colocar essa mulher em um lugar que ninguém de verdade consegue decifrá-la. Martin dá tudo pra ela: uma profissão muito legal, um carisma espirituoso e beleza. Mas o que a define é justamente sua relação com os homens. Mas era 1977, e ao superar Gwen, Martin nos presenteou com uma infinidade de outras personagens absolutamente maravilhosas.

As histórias das cidades são apresentada em diálogos longuíssimos e bem ilustrados. É realmente bastante atmosférico. Conseguimos sentir o cheiro da destruição, o terror das músicas fantasmas, a textura das refeições e a sensação de guerra e morte que é terrível e sufocante. O magnífico cenário de Worlorn mistura-se com o humor dos personagens sem ser indiscreto, desenhando uma história bastante rica e curiosa. Em certa parte da história conhecemos esse personagem fantástico chamado Bretan Braith que é um desses caras completamente destruídos fisicamente mas completamente elegantes e simples em sua essência. Aliás, George disse certa vez que esse personagem serviu mais tarde para a criação de outros dois personagens que conhecemos: O Cão e Loras Tyrell.

Acredito que o final deste livro seja para a maioria das pessoas um pouco frustrante. Mas é legal ler sabendo que importa o que acontece com um homem quando o planeta está morrendo. Mas olhando bem para o título que o Martin escolheu pra definir a história, a metáfora de seguir para o desconhecido em busca da luta contar algo que está fadado a morrer extremamente nobre.

O livro é triste e bonito e o universo apresentado aqui é abordado em vários outros trabalhos de Martin que contam histórias dentro dos “Mil Mundos”. São elas: Sandkings, Nightflyers, Starlady, The Glass Fower, “The Hero”, “A Song for Lya”, “This Tower of Ashes”, “And Seven Times Never Kill Man”, “The Stone City”, “Bitterblooms” e “The Way of Cross and Dragon”. Ah, e Tuf Voyaging.

Morte da Luz possui 334 páginas. Dá pra ler rapidinho. Sabemos que MUITOS de vocês já leram ou já viram os spoilers gerais, mas em 20 dias vamos abrir um post pra comentar apenas os spoilers, como fazemos com todos os livros das Crônicas. Nos encontramos lá?

Livro: A Morte da Luz
Preço: 40 reais em média


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