Esse texto não possui spoilers dos livros e é destinado principalmente para aqueles que não terminaram ou sequer começaram a leitura dos mesmos. Se você já leu ou não se importa em saber o que vai acontecer, confira a análise COM SPOILERS, que em breve deve tá saindo por aí.
Quem acompanha minhas análises sabe o quanto eu admiro o trabalho de Bryan Cogman. Os episódios que ele escreve tendem a ser melhores que os dos demais roteiristas, incluindo os criadores da série, David Benioff e D. B. Weiss, e (que os deuses me perdoem) até o próprio George R. R. Martin. A direção de Alik Sakharov também é extremamente competente. Ele foi responsável por um dos meus episódios preferidos da terceira temporada, “The Climb”, e pelos belíssimos planos quase simétricos na imagem acima. Esses dois caras, aliados a um time capacitadíssimo de atores, fizeram de “The Laws of Gods and Men” uma verdadeira obra-prima em termos de Game of Thrones. Nele, tivemos diálogos impecáveis, um visual digno de cinema e atuações de arrepiar. Nesse último quesito acho que está o grande segredo para o sucesso do episódio. A melhor escolha dos produtores foi sem dúvida apostar no talento do grande Peter Dinklage. Assim como em “Blackwater”, ele praticamente carregou o episódio nas costas. Talvez esse seja um dos motivos pelos quais esses dois episódios estão entre os melhores da série até então.
Acredito que “justiça” (ou talvez a falta dela) tenha sido o tema principal de The Laws of Gods and Men. Enquanto Cersei tentou fazer justiça pela morte do filho à sua maneira, Jaime buscou obtê-la de uma maneira diferente ao tentar garantir a liberdade do irmão, algo bem parecido com o que Yara foi buscar no Forte do Pavor. Também vimos uma inexperiente Daenerys tentar servir justiça aos suplicantes em Meereen, enquanto o nada inexperiente Davos Seaworth usou o senso de justiça de Stannis como moeda de troca, conseguindo assim o apoio do Banco de Ferro de Bravos.
Mas vamos começar por baixo. Acho que a sequência envolvendo Yara e a tentativa fracassada de resgatar Theon no Forte do Pavor, embora intrigante, foi a mais fraca do episódio em questão. E digo isso com certa tristeza, pois sou grande fã dos Greyjoys.
Assim como o metal, os homens de ferro são obscuros, duros e fortes mas, aparentemente, quebradiços. Foi exatamente isso que Ramsay fez com Theon: quebrou não só o seu corpo, como também seu espírito – que já não era dos mais valorosos. Ainda assim não pude deixar de sentir a mesma decepção de Yara ao ver o irmão agir como bichinho de estimação dos Bolton. Ele dorme com os cachorros, é banhado e até morde como um deles. Mais decepcionante que isso só a atitude da própria Yara ao ser confrontada por Ramsay. Os “cinquenta melhores assassinos da Ilhas de Ferro” foram expulsos com a mesma facilidade que tiveram pra invadir. Correr de cachorros definitivamente fez a expressão “Nascidos no Ferro” perder o sentido. É claro que, tecnicamente, ela não estava correndo dos cachorros, mas foi o que pareceu. A Yara destemida que vimos em “Mhysa”, capaz de enfrentar o pai para salvar a vida do irmão, certamente enfiaria o machado na cara do filho da puta que o torturou, humilhou e castrou. Já a Yara desse episódio… Acho que fiquei um pouco envergonhado ao vê-la fugir daquele jeito. Ainda mais depois daquele discurso motivacional no início.
Apesar dos pesares, embora curta, a batalha foi bem orquestrada. Os latidos frenéticos dos cães e aquele ambiente extremamente fechado ajudaram a tornar a luta muito mais tensa.
A cena seguinte ajudou a ilustrar um pouco os motivos de Yara. Theon, ou melhor, Fedor, tem medo até da câmera. O cara nunca foi um exemplo de coragem. Como Ramsay fez bem em notar, Yara tinha mais culhões que Theon antes mesmo de ele ter sido castrado. Ainda assim, tive esperanças de que, ao encontrar a irmã, ele nos surpreenderia. Mas como ela concluiu ao deixar o forte, Theon morreu de fato. Me pergunto como ele conseguirá voltar a ser o príncipe das Ilhas de Ferro para ajudar Ramsay a recuperar Fosso Cailin e cair nas graças do pai (onde ele estava enquanto tudo isso aconteceu?), um acordo firmado por eles em“The Lion and the Rose”. Essa foi a verdadeira razão daquele banho, o que me fez lembrar a cena do batismo em “What is Dead May Never Die”, onde vimos Theon ser mergulhado nas águas salgadas do Mar de Ferro para que voltasse a ser um Greyjoy. E como disse o sacerdote do Deus Afogado naquela ocasião, o que está morto não pode morrer, mas volta a erguer-se, mais duro e mais forte… Será?
Em contraponto ao cenário (intencionalmente?) claustrofóbico visto no Forte do Pavor, o episódio nos presenteou com sets grandiosos como a nova sala do trono de Daenerys em Meereen, a sala do trono da Fortaleza de Maegor, repaginada em prol do julgamento, e o magnífico salão de espera do Banco de Ferro de Bravos.
Por falar em Bravos, desde que ela apareceu na abertura já deu pra perceber o motivo pelo qual a cidade é tão famosa. Desde o incrível Titã (claramente inspirado no Colosso de Rhodes), às bem frequentadas casas de banho, as equipes de direção de arte e de efeitos especiais deram um show. A disposição e frieza dos banqueiros, sentados naquelas cadeiras enormes engolidas por um espaço vazio maior ainda (que realmente parecia pertencer à um banco clássico) contribuíram para a concretização da imagem idealizada por Tywin em “First of His Name”. O Banco de Ferro de Bravos é mesmo como um templo. E os banqueiros são as pedras. O modo indiferente como Tycho Nestoris (interpretado pelo ator Mark Gatiss, querido pelos fãs por interpretar Mycroft Holmes em “Sherlock”, da BBC) trata a causa de Stannis prova o quanto isso é verdade. Era quase como se Stannis fosse um simples pastor reclamando de suas cabras mortas. Pena que os produtores não ofereçam sempre um material bom como esse para Stephen Dillane trabalhar. Mesmo em silêncio, ele conseguiu transmitir o descontentamento e a impaciência quase constante do rei legítimo de Westeros. E acho que não preciso falar de Liam Cunningham. Eu sempre gostei da honestidade com a qual ele interpreta o Cavaleiro das Cebolas.
Mesmo sendo fã do personagem, essa foi a primeira vez na temporada que eu realmente gostei da participação de Stannis em um episódio. Toda a negociação foi muito bem articulada, terminando sabiamente com Davos mostrando a mão aos banqueiros a fim de provar que, como disse Oberyn em “Two Swords”, os Lannisters não são os únicos que pagam suas dívidas.
Aliás, como vimos no episódio anterior, eles não tem dinheiro pra pagar dívida alguma. E o único homem capaz de reverter essa situação tem 67 anos, o que em Westeros significa muito. Quem pagará as dívidas da coroa caso Tywin Lannister morra? Seus filhos? O menino Tommen? Lancel Lannister? Mace Tyrell é rico, mas é um tolo; a mãe dele, Olenna, é quem realmente dá as cartas na Campina mas é pelo menos 10 anos mais velha que Tywin; Jaime já deixou claro que não tem nenhum interesse pelos “negócios da família” e Cersei é a “mãe da loucura”. O único filho do Senhor de Rochedo Casterly que herdou um pouco do seu tino para as finanças foi Tyrion, que está preso e sendo julgado pelo assassinato da “criança mais nobre que os deuses colocaram nesse belo mundo”.
A única escolha viável para o Banco é mesmo acreditar em Stannis. Ao menos por enquanto. Afinal de contas, quando uma pedra cai, outra toma o seu lugar.
Eu realmente senti falta de Salladhor Saan. O ator Lucian Msamati é tão bom que conseguiu fazer de seu personagem coadjuvante um dos mais carismáticos de toda a série. E se tem uma coisa que o núcleo de Stannis precisa é de carisma. Talvez seja pensando nisso que os produtores vira e mexe trazem o pirata lyseno de volta. A cena de (re)introdução dele não poderia ter sido mais apropriada. Então Davos aparece com as moedas que sinalizam o êxito de sua negociação com os banqueiros. Ele pede que Salladhor Saan deixe suas belas companheiras para se juntar a ele, mais uma vez, em prol da causa de Stannis. Pra onde será que eles vão?
Ao contrário do que vimos na capital, na Baía dos Escravos, Daenerys ainda tenta responder as injustiças com justiça, mas acaba descobrindo que conquistar e governar são coisas completamente diferentes…
Assim como Bravos, Meereen também tem uma arquitetura marcante. As duas cidades estão sob a sombra de uma grande construção: o Titã, e a pirâmide colossal encabeçada pela Harpia, símbolo do antigo e orgulhoso império Ghiscari. Esse orgulho transparece na atitude do nobre Hizdahr zo Loraq, um dos homens que assistiu ao discurso de Daenerys em “Breaker of Chains”. Ele foi à rainha pedir um funeral apropriado para o pai, o homem que ajudou a projetar aquela sala do trono e que, apesar de ter falado contra a martirização das crianças, foi crucificado por Dany ao lado de outros 161 mestres em “Oathkeeper”. Talvez seja exagero (provavelmente é), mas isso faz dela uma pessoa não muito diferente das que miseravelmente espancaram uma senhora até a morte por que ela parecia outra mulher suspeita de sequestro.
Tudo serviu pra mostrar que embora Dany tenha se tornado uma líder forte e decisiva, muitas das decisões que ela toma refletem sua inexperiência. Também mostrou um lado da personagem que estava escondido atrás das cenas gloriosas e das frases de efeito. Ela clama que os mestres cometeram um crime contra as crianças, mas que a punição dada por ela não foi um ato criminoso. Isso é justiça? É possível que ela esteja, aos poucos, se tornando uma tirana como o pai? Muitos dos escravos libertos a chamam de mãe (ou “mhysa”) mas ela é implacável quando se trata de seus inimigos. Ela conquista os povos e impõe a eles suas próprias leis e costumes (que nem mesmo ela sabe direito quais são). Como disse Daario Naharis em “Two Swords”, se você quer conquistar e reinar sobre determinado povo, você precisa conhecê-lo. Infelizmente, Daenerys não gosta muito de escutar seus conselheiros, o que lembra muito a lição de Tywin a respeito de como a sabedoria de escutar e reconhecer suas limitações é o que faz um bom governante. A cara de Barristan quando ela decide pagar ao pastor três vezes o valor das cabras devoradas por Drogon foi hilária.
E que passagem incrível aquela, não? Eu gostaria muito de ver os dragões – que estavam desaparecidos desde a premiere – em mais cenas como essa. Mas como o julgamento nos mostrou, uma sequência não precisa ter uma super produção ou efeitos especiais grandiosos pra ser o ponto alto do episódio.
Ah, e eu realmente fiquei com pena de Sor Jorah e Sor Barristan… Será que eles tiveram que ficar em pé enquanto Daenerys atendia aos outros 212 suplicantes?
A ausência de Tommen na reunião do Pequeno Conselho e o modo como ele se abstém de participar do julgamento, dando lugar ao avô serviram bem pra mostrar que, como concluíram Stannis e Tycho Nestoris no diálogo inicial, Tywin Lannister é quem realmente governa os Sete Reinos (e me pareceu que o rei não estava muito confortável em condenar o próprio tio). Mas verdade seja dita, o cara nasceu pra sentar naquele trono né?
Oberyn discordaria, é claro. Perceberam como ele foi a única pessoa na sala que não levantou quando Tywin entrou na Sala do Conselho? Ao contrário de Mace Tyrell. Roger Ashton-Griffiths deve ter tido até agora, ao todo, menos de dez falas nessa temporada, sendo que nesse episódio a maioria delas foi cortada (sem mencionar o fato de que Tywin o tratou praticamente como um estagiário). Me pergunto até quando os produtores vão sacrificar o pobre homem em nome da comédia.
De todas as reuniões do conselho que já vimos acho que essa foi uma das que mais pareceu uma reunião de verdade. Vieram à tona diversos problemas de todo o reino como o Cão de Caça que vive difamando os Lannisters por aí e a constante ameaça de Daenerys, seus dragões e seus Imaculados, que serviram como gancho perfeito para o diálogo entre Oberyn e Varys na Sala do Trono. Aparentemente, além de gostar de homens e mulheres, o príncipe dornês também tem uma queda por eunucos. Brincadeiras à parte, a cena foi muito boa e me lembrou muito os debates de Mindinho e Varys naquele mesmo lugar. Falando em Mindinho, o fato de ele não ter aparecido deixou caminho aberto pra sua “contra-parte” entrar em ação. Fazia tempo que Varys não recebia tanto destaque.
É claro que outras passagens ficam apagadas em comparação ao acontecimento principal do episódio: o julgamento de Tyrion, que foi uma incrível demonstração do bom trabalho de todos os envolvidos. É muito bom quando boa parte do tempo é reservado pra dar ênfase a um único arco da história. Diferente da confusão que foi o casamento de Joffrey, onde os atores saiam desconfortavelmente de seus lugares para interagir com outros e as câmeras cortavam pra lá e pra cá, no julgamento todos estavam bem posicionados e os movimentos pareciam calculados. Mas sem sombra de dúvida, a maior parte dos elogios se deve ao desempenho magnífico de Peter Dinklage, e com razão. Pelas leis dos deuses e dos homens, esse cara merece ganhar todos os Emmys e Globos de Ouro a que concorrer esse ano! Sua perfomance ofuscou outras mais sutis e igualmente louváveis como as de Charles Dance (Tywin), Pedro Pascal (Oberyn), Conleth Hill (Varys) e Nikolaj Coster-Waldau (Jaime).
Todas as testemunhas estavam nitidamente compradas, mas um dos melhores aspectos do julgamento foi o fato de que tudo o que eles falaram sobre Tyrion ou era verdade, dentro de um contexto distorcido, ou tinha uma pitada de verdade (o que me lembrou muito o julgamento que acontece em um dos melhores jogos de RPG do Super Nintendo, “Chrono Trigger”, de 1995). Sor Meryn Trant relatou as ameaças feitas a Joffrey quando Tyrion impediu que eles espancassem Sansa na Sala do Trono, o que de fato aconteceu em “Garden of Bones”; Cersei e Varys também mencionaram ameaças que realmente foram feitas em “The Prince of Winterfell” e “Mhysa”, respectivamente. Isso prova que, nessa série, mesmo uma pequena atitude ou uma fala aparentemente descartável podem valer alguma coisa no futuro.
Pycelle mentiu quando disse que Tyrion roubou seus venenos depois de prendê-lo em “What is Dead May Never Die” (vocês lembram como Podrick foi coagido a confirmar essa informação, certo?), mas eu sabia que alguém encontraria o corpo de Sor Dontos quando Mindinho, propositalmente, atirou o colar sobre ele em “Breaker of Chains”. O melhor de tudo foi quando a câmera focou o rosto da Margaery assim que o velho meistre mostrou o colar. Ela sabia o tempo inteiro que sua avó foi a verdadeira responsável pela morte de Joffrey, mas parece que foi naquele segundo que a ficha realmente caiu.
Também gostei bastante de quando a câmera filmou a cadeira vazia de Cersei enquanto ela dava seu testemunho. E quando Varys diz à Tyrion que não esqueceu a conversa deles que eles tiveram depois da batalha da Água Negra, em “Valar Morghulis”? Cara, eu me arrepiei. O que será que aquilo quis dizer? Assim como você, Varys, nós não esquecemos nada.
Em vários momentos é possível perceber através das mudanças de expressão e da linguagem corporal como Jaime descobre aos poucos que o julgamento não é nada mais do que uma formalidade, e que o veredicto já foi praticamente decidido. A estratégia de Cersei no episódio anterior – se fazer de vítima para influenciar os juízes – embora meio sem sentido (ela já tinha todas as testemunhas nas mãos, ou melhor, nos bolsos), parece ter dado certo. Com isso em mente, Jaime propôs ao pai que, pela vida de Tyrion, deixaria a guarda real e assumiria seu lugar de direito como Senhor de Rochedo Casterly, o que foi muito sagaz da parte dele já que aquilo era tudo o que Tywin sempre quis. Apesar das várias distorções de caráter sofridas no caminho, esse é o Jaime que a série quer nos mostrar, o cumpridor de promessas.
Diferente de Jaime, Tyrion sabia desde o começo que o julgamento era uma farsa e que seu destino estava traçado. Exceto pelas interrupções nos testemunhos de Sor Meryn e Varys, a postura dele durante o processo denotava bem isso. Mas tudo mudou quando Shae entrou para testemunhar. Bem surpreendente, não? Ela deveria estar em Pentos desde “The Lion and the Rose”.
O que aconteceu com Sibel Kekilli hein? Ela é uma boa atriz, premiada e tudo, mas desde que começaram a retratá-la como uma mulher romântica e ciumenta, Shae ficou um pouco chata. E o sotaque não ajuda muito. Acho que a única coisa que não me agradou muito no julgamento além da atuação dela foi a falta de Indira Varma e Jerome Flynn. A presença de Bronn no julgamento teria sido no mínimo cômica. Mas assim como Podrick, ele era um dos principais associados de Tyrion, e dificilmente teria dado as caras por lá.
Enfim, depois daquilo, Tyrion não podia deixar barato. Apesar dos esforços do irmão, ele tinha que fazer com que todos pagassem. Ele nunca foi do tipo que fica sentado na audiência enquanto outros decidem seu destino, e por isso ele tinha que dar aos juízes alguma incerteza. Dar-lhes o que temer. Mesmo que isso significasse sua ruína. Eu nunca detestei tanto os membros da nobre corte de Westeros como durante o julgamento. Era como se eu estivesse sentindo o mesmo ódio de Tyrion no momento em que ele profere as últimas palavras antes de exigir (pela segunda vez) um julgamento por combate (a primeira foi no Ninho da Águia). Se as leis dos homens insistem em condená-lo, talvez as leis dos deuses consigam provar sua inocência. É nas mãos deles que Tyrion se coloca e, por tabela, acaba colocando a todos nós.
E quanto a Tywin, Cersei, Shae, e toda a corja da capital? Será que os deuses tem algo reservado pra eles? Eu diria que sim. Além dos 4.000 soldados e trinta e dois navios de Stannis, ainda temos Daenerys, com seus 8.000 Imaculados, 2.000 Segundos Filhos, 93 navios, 2 comandantes experientes, um punhado de dothrakis e 3 dragões, só esperando por eles. Como diria Tycho Nestoris, esses números não parecem levar a um final feliz.