Continuando com nossas recomendações, chegamos a uma série de livros já considerada um clássico da fantasia, que costuma apetecer muito aos fãs das Crônicas e que conta com a aprovação do próprio George R. R. Martin: é a série A Roda do Tempo, de Robert Jordan.
E o que é A Roda do Tempo?
É uma série de fantasia épica, originalmente idealizada por Robert Jordan para ser composta de seis livros, mas que terminou em 2013 com 14 romances e uma prequela. Jordan começou a trabalhar na série em 1984, e o primeiro livro, O Olho do Mundo, foi publicado em 1990. A série chegou ao fim no ano passado, com a publicação de A Memory of Light, co-assinado por Brandon Sanderson.
Em 2006, Jordan declarou publicamente que havia sido diagnosticado com amiloidose cardíaca, e que sua expectativa de vida aproximada, mesmo com tratamento, seria de apenas mais 4 anos. O autor faleceu em 2007 enquanto escrevia o que ele planejava ser o último volume da série, mas deixou uma coleção de notas explicativas e confidenciou vários pontos importantes da narrativa para parentes “para o caso de o pior acontecer”. Depois de sua morte, sua esposa e editora Harriet McDougal escolheu Brandon Sanderson, autor da série Mistborn e fã de longa data da Roda do Tempo, para dar continuidade à saga. Sanderson, baseado nos textos deixados por Jordan, dividiu o planejado livro em mais três, sendo o último, A Memory of Light, publicado em 2013.
Mas de que é que se trata essa história?
Tudo bem, já sabemos como a história foi escrita, mas o que é retratado nela?
Na mitologia da série, o Criador criou o universo e a Roda do Tempo. Esta representa o passar do tempo e a história, e gira infinitamente movida pelo Poder Único, advindo da Fonte Verdadeira. O Poder tem dois aspectos: um masculino (saidin) e um feminino (saidar), que podem ser acessados por algumas pessoas, os chamados “canalizadores”. Dentre estes, destacaram-se historicamente os “Aes Sedai”, “servos de todos”.
Shai’tan, o chamado Tenebroso, um ente maligno poderosíssimo aprisionado pelo Criador quando da criação do universo, foi, porém, acidentalmente libertado durante um mal sucedido experimento dos Aes Sedai numa Era antiga do mundo, e pôde exercer sua influência sobre o mundo e envolvê-lo em guerra , desordem e intriga. Muitos dos Aes Sedai e outras pessoas se juntaram ao Tenebroso e lutaram por ele, atraídos por propostas de vida eterna e poder quando ele e a Sombra triunfassem. O líder das forças da Luz, Lews Therin Telamon, chamado Dragão, empreendeu esforços para aprisionar novamente o Tenebroso e seus mais fiéis servos, e foi bem sucedido. Shai’tan, porém, maculou saidin, a parte masculina do Poder Único, fazendo com que todos os homens que se utilizassem dele enlouquecessem. A mácula e a insanidade dos Aes Sedai homens levaram à Ruptura do Mundo, em que os acidentes geográficos foram alterados, milhões pereceram, a humanidade regrediu tecnologicamente e o caos e as guerras reinaram por muito tempo. Lews Therin, tornado louco, assassinou familiares e amigos, e depois de perceber o que havia feito cometeu suicídio.
A história contada na série tem início alguns milhares de anos depois desses eventos, num momento em que as profecias parecem indicar que o Dragão renascerá para lutar novamente contra o Tenebroso em Tarmon Gai’don, a batalha apocalíptica que selará o destino do mundo. Acompanhamos, a princípio, as vidas de jovens fazendeiros da região dos Dois Rios – Rand Al’Thor, Perrin Aybara e Mat Cauthon – que vivem em paz e ignoram quaisquer influências do mundo exterior, mas que se vêem envolvidos em eventos de maior importância do que poderiam imaginar (nesse aspecto, a trama segue bem a dita jornada do herói e lembra especialmente O Senhor dos Anéis, o que foi intencional por parte de Jordan).
E por que eu leria essa série?
“OK, é uma série de alta fantasia, mas por que eu leria esta em meio a tantas outras?”
Já que somos todos fãs de Game of Thrones e das Crônicas de Gelo e Fogo por aqui, um motivo válido para tanto é que George R. R. Martin é um grande fã da série e amigo de Robert Jordan. George chegou a homenagear Jordan e a série duas vezes nas Crônicas.
Uma das homenagens se dá na figura de Lorde Trebor da casa Jordayne, uma das principais de Dorne, cujo castelo é o Tor: “Trebor” é um anagrama de “Robert”, “Jordayne” é uma referência expressa a “Jordan”, e Tor Books é a editora original de Jordan, que também publica alguns livros de GRRM. A outra homenagem é encontrada num diálogo em que Rodrik “Leitor” Harlaw explica as as ideias do Arquimeistre Rigney para sua sobrinha Asha Greyjoy:
“— Pode lê‐lo aqui. É velho e frágil. — Rodrik estudou‐a, franzindo o sobrolho. — O Arquimeistre Rigney escreveu um dia que a história é uma roda, pois a natureza do homem é fundamentalmente imutável. O que aconteceu antes irá forçosamente voltar a acontecer, disse ele.” (O Festim dos Corvos – cap. 11, “A Filha do Kraken”)
“Robert Jordan” é na verdade um pseudônimo de James Oliver Rigney, Jr. e as palavras do Arquimeistre são uma clara referência a sua obra.
Ao lado podemos ver George tomando cerveja com Rand Al’Thor, personagem principal da saga, e no (Not A) Blog dele temos um capítulo inteiro de um duelo hipotético entre Jaime Lannister e Rand, que você pode conferir aqui, em inglês, e vai gostar especialmente se já for fã das duas séries. A admiração entre os autores era recíproca, e aqui podemos ver Jordan numa carta para Anne Groell, editora de Martin, datada de 1997, pedindo uma cópia autografada de A Game of Thrones e elogiando a decisão de que ASoIaF fosse mais do que uma trilogia. George também escreveu no blog um memorial quando do falecimento de Robert.
Se a admiração de George e de Brandon Sanderson não for suficiente para convencer, lembramos que do oitavo ao último romances, todos figuraram em 1º lugar na lista de best sellers do New York Times, e que os direitos para adaptações sobre a série foram adquiridos recentemente pela Universal. A série já vendeu mais de 40 milhões de cópias ao redor do mundo, é tema de duas músicas da banda de power metal alemã Blind Guardian, e conta com uma convenção anual própria, a JordanCon, desde 2009.
E como eu leio? Existe versão em português?
No Brasil, a editora Caladwin havia começado a publicar a série há alguns anos, mas o projeto foi abandonado após três volumes.
A boa notícia é que a Intrínseca comprou os direitos, e já publicou os dois primeiros livros: O Olho do Mundo em setembro de 2013, e A Grande Caçada em junho deste ano. O plano, segundo a editora, é publicar um volume a cada seis meses, e as novas edições podem ser encontradas em praticamente qualquer livraria decente. Aqui você encontra uma entrevista com a editora dos livros no Brasil, sobre o processo de tradução da série, e aqui um folder bem feito da editora com informações sobre a série.
Se você não tem problemas para ler em inglês, porém, as edições originais (tanto paperback quanto hardcover) podem também ser encontradas na Livraria Cultura.
A despeito de ser uma série de tamanho considerável, contando 15 livros, é uma leitura que definitivamente vale a pena. A mitologia do universo é inspirada em elementos de diversas mitologias do mundo real, tanto europeias quanto asiáticas, como a natureza cíclica do mundo encontrada no hinduísmo e no budismo. A trama contém tanto elementos mágicos quanto intriga política, e é também contada pelo ponto-de-vista de alguns personagens. Apesar da aparente estrutura tradicional de “bem contra o mal numa batalha apocalíptica”, um universo surpreendentemente grandioso e tão bem detalhado e trabalhado quanto se pode desejar (ultrapassando até mesmo o de Martin nas Crônicas, em alguns pontos) se esconde nas páginas de A Roda do Tempo.