Depois de duas tentativas frustrantes da Cyanide Studios – que desenvolveu “A Game of Thrones: Genesis” em 2011 e o terrível RPG de 2012 – chegou a vez da renomada Telltale Games, em parceria com a HBO, criar um jogo para o universo de George R. R. Martin. E embora o modus operandi da desenvolvedora não seja o favorito de alguns fãs da saga, “Game of Thrones: A Telltale Game Series” merece uma chance por ser o título que melhor conseguiu transportar o jogador para o meio das disputas de poder entre as Casas dos Sete Reinos. E olha que esse foi só o primeiro dos seis episódio planejados para a temporada, apropriadamente intitulado “Iron From Ice” – as palavras da família Forrester.

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Forrester_mini_banner (1)A Casa Forrester fica no Norte de Westeros, tendo sua sede, Ironrath, localizada no interior da Mata dos Lobos. A casa é citada nos livros, mas através deles não conhecemos nenhum detalhe a respeito de seus costumes, que são bem peculiares para um clã tão pequeno, diga-se de passagem. Eles são responsáveis pelo cultivo e manutenção de ironwood, “a madeira mais resistente do Mundo Conhecido”, segundo Meistre Ortengryn. E é claro que outras Casas maiores almejam essa riqueza.

Os membros da família em si lembram bastante os Starks. Lorde Gregor, assim como Eddard, é conhecido como um homem extremamente honrado – o que lhe rendeu a alcunha de “Gregor, o Bom”; seu filho mais velho, Rodrik, é um guerreiro habilidoso e respeitado, assim como Robb; enquanto o caçula, Ryon, lembra Rickon até no nome. Mas é comum que famílias da mesma região, favoráveis às mesmas tradições, sejam parecidas entre si. Isso até contribui para que o jogador se sinta familiarizado, e se apegue rapidamente aos personagens, se importando com eles assim como se importa com os personagens dos livros e da série (nós nunca aprendemos).

Gráficos

Outro elemento que contribuiu bastante para a imersão do jogo foi a paleta de cores utilizada no Norte, por exemplo, onde os mesmos tons escuros de marrom, verde e cinza utilizados na série de TV foram empregados para compor os cenários e as vestimentas dos personagens nessa região. Os gráficos, apesar de cartonados como na maioria dos jogos da Telltale, possuem um certo grau de realismo. Basta ver como os personagens canônicos ficaram quase idênticos a seus intérpretes da versão televisiva. Também foi retirado o contorno preto inspirado nas HQs que pode ser visto ao redor dos personagens nas outras franquias do estúdio, como Tales of the Borderlands, The Wolf Among Us e a premiada série The Walking Dead.

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É perceptível o cuidado dos desenvolvedores em manter a identidade visual da série. Lugares como a Sala do Trono e as Gêmeas ficaram idênticos àquilo que vimos na televisão. E os outros lugares vistos apenas no jogo, como Ironrath, poderiam muito bem integrar os Sete Reinos idealizados pela produção da HBO.

Ah, e os detalhes… os símbolos das Casas nos estandartes do acampamento de Robb, as folhas secas no chão da Fortaleza de Maegor… enfim, os caras se esforçaram MUITO para agradar os fãs nesse sentido. Tem até uma abertura igualzinha à da série!

Jogabilidade

Como o esquema do jogo é point-and-click, a ação não está muito presente no episódio. Mas isso não é tão importante. Aliás, assim como o nome do estúdio sugere, o foco da Telltale é contar histórias, assim como Game of Thrones, cujo foco maior está na guerra das palavras do que nas batalhas propriamente ditas. Ainda assim existem momentos em que a velocidade com a espada (e com o controle) se faz necessária. São breves e raros seguimentos onde o jogador precisa acertar determinadas sequências de botões para evitar que o Valar Morghulis” surja na tela, indicando a morte do personagem e, consequentemente, o “fim” do jogo (durante a primeira sequência, mesmo que eu errasse alguns dos comandos, o Gared continuava a se esquivar e se defender dos golpes que recebia).

No entanto, os momentos de simulação esgrimista são muito menos interessantes do que os difíceis diálogos pelos quais os jogadores devem navegar. Não importa se você é Gared e tem uma informação crucial que não pode compartilhar, ou o menino Ethan Forrester, que precisa lidar com o grosseiro Lorde Whitehill e a rivalidade entre seus dois principais conselheiros… As decisões são verdadeiramente tensas!

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Em vários pontos desses diálogos, os jogadores terão a chance de responder como o personagem que está controlando no momento. As escolhas variam de duas a quatro opções e, além de “ditarem os rumos da história”, ajudam a definir características para cada personalidade. Mas não importa o quão leal seja seu Gared, quando você tem uma informação crucial que não pode compartilhar com ninguém; ou se você é um Ethan Forrester impetuoso, mas precisa lidar sabiamente com o temível Ramsay Snow e com a rivalidade entre seus dois principais conselheiros… As decisões sempre serão esgotantes! Ainda mais ao levar em consideração a janela limitada de tempo que se tem para tomá-las (se os poucos segundos se passarem e o jogador não responder nada, os demais personagens vão continuar a falar, mas podem ficar com raiva de seu silêncio).

Muitos jogadores questionaram as relevâncias dessas escolhas, alegando que, independente das escolhas dos personagens, a história sempre seguirá o mesmo caminho. Mas eu acho que ainda é muito cedo pra falar. É certo que, nesse primeiro episódio, são poucas as escolhas que fazem uma diferença imediata, mas quem já jogou outros jogos da Telltale sabe que, em muitos casos, as decisões que são feitas no primeiro capítulo só vem repercutir muitos capítulos na frente. Eu sinceramente espero que esse seja o caso de Game of Thrones.

De qualquer forma, apesar da curta duração do episódio (que tem, no máximo, umas 3 horas de gameplay), o grau de replay é bem alto. Como eu disse anteriormente, diferentes escolhas e repostas podem não alterar os acontecimentos importantes, mas garantem diferentes “alinhamentos” – ou personalidades – aos personagens, e isso altera notavelmente alguns diálogos da história.

Como diria o filósofo grego Epicteus, o importante não é o que acontece, mas como você reage a isso.

AVISO: Á partir daqui, o texto contém SPOILERS à respeito do enredo do jogo.

História/Roteiro

O episódio começa na noite do Casamento Vermelho, e assumindo que os jogadores estão familiarizados com toda a trama central de Game of Thrones. Talvez esse seja o maior problema do jogo. Se você não é fã, ou simplesmente não acompanha a série, você vai ficar boiando em vários momentos da trama. Mas nada que uma rápida lida no CODEX  (ou na nossa wiki) não resolva.

Começamos com o P.O.V. de Gared Tuttle, um escudeiro de origem humilde que sonha em ser um guerreiro respeitado e honrado como Jaime Lannister (?), ou como seu próprio Senhor, Lorde Gregor Forrester, que em poucos minutos de jogo resolve realizar o sonho do rapaz, promovendo-o à soldado no vindouro ataque à Rochedo Casterly, parar lutar ao lado de seu filho mais velho, Rodrik, que nesse momento estava bebendo feliz em algum outro lugar do acampamento. Então Gared pode guardar a boa nova para si, ou esfregar a promoção na cara de seu colega escudeiro e metido, Bowen. Quem não sentiu um calafrio quando “As Chuvas de Castamere” começou a ser tocada no interior das Gêmeas? Quando Gared percebe a armadilha dos Freys, ele pode escolher entre sair correndo ou salvar a vida de Bowen e depois sair correndo. Se você deixar o cara lá, ele tem a garganta cortada por um Frey (como Catelyn), mas se você preferir salvá-lo, ele te acompanha e… Bem, ele não faz muita coisa… Provavelmente morre em algum momento off-screen… Quem sabe?

E essa, meus amigos, por incrível que pareça, é uma das maiores diferenças que suas escolhas podem fazer neste episódio.

Resumo da ópera: Depois que Rodrik e Lorde Gregor morrem no massacre, Gared fica encarregado de levar a espada da família de volta à Ironrath, para o novo Lorde da Casa Forrester, Ethan, um jovem totalmente despreparado para o cargo. Mas antes o escudeiro passa na fazenda de porcos do seu pai, que está sendo atacada por três soldados das Casas Bolton e Whitehill (principal rival dos Forresters). Tomado pela fúria, Gared enfrenta os soldados e mata um deles. É possível escolher se o rapaz vai matar ou poupar o segundo homem, mas já que, independente dessa escolha, Gared acaba sendo mandado para a Muralha, é melhor matar todo mundo mesmo. Eles merecem.

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Esse foi um bom recurso para introduzir a tirania dos Boltons, já que depois do red wedding eles se tornam Guardiões do Norte, o que acaba beneficiando seus vassalos, os Whitehills, e colocando em perigo o futuro dos Forresters, que sempre foram leais aos Starks.

Ah, antes de morrer, Lorde Forrester pede que Gared diga ao castelão Duncan, e apenas à ele, que “The North Grove must never be lost”, e é claro que o jogo nos dá várias oportunidades de trair essa promessa… Mas Gared jamais faria isso… Ou faria?

Acho que um dos principais plot points nos episódios vindouros será esse segredo envolvendo The North Grove, o que quer que isso seja (só pode ser uma reserva de ironwood localizada além da Muralha, certo? Mas o que ela tem de especial? Magia?).

Em um jogo que tem os diálogos como mecânica principal, é de se esperar que os melhores momentos aconteçam na capital, o coração político de Westeros, onde os jogadores assumem o papel da jovem Mira Forrester, que precisa dividir sua lealdade entre sua Casa, sua senhora e amiga Lady Margaery, e o rei Joffrey (aqui representado pela mãe, a Rainha Regente, Cersei Lannister).

O confronto na Sala do Trono é meio sem-pé-nem-cabeça, como Tyrion faz questão de apontar. Que tipo de perigo uma dama de companhia poderia oferecer à Coroa? As perguntas feitas pela rainha para provocar Mira são claramente uma tentativa infantil de provocar Margaery (o que é mesmo a cara de Cersei), assim como uma bela desculpa da Telltale para aproveitar os voice-actings de Lena Headey, Natalie Dormer e Peter Dinklage, que foi criticado pela dublagem do Ghost, em Destiny. Mas aqui, os três foram incríveis! E o roteiro da cena foi tão bem escrito que deu até pra relevar a natureza duvidosa da discussão.

Outro personagem interessante que surge em Porto Real é o Coal Boy (Garoto do Carvão), que obviamente é um dos passarinhos de Varys (?!). Por que outro motivo ele teria interesse em ajudar Lady Mira?

A carta de Lady Elissa foi o ponto de ligação perfeito entre os dois núcleos, mas novamente, independente da decisão de Mira entre pedir ou não ajuda à Margaery, a futura rainha não consegue convencer Joffrey a interceder pelos Forresters (e é até agredida pelo miserável!), e então Ramsay continua fazendo o que bem entende no Norte que agora pertence à seu pai.

Mas antes de lidar com o bastardo Bolton, Ethan precisa escolher entre seus principais conselheiros, Duncan Tuttle e Royland Degore. Um dos dois deve ser nomeado Sentinela – uma espécie de “Mão do Rei” do Senhor de Ironrath. Escolher entre dois personagens que nós ainda não conhecemos é um dos exemplos de decisão que tornam o jogo difícil. E deve ser mesmo uma decisão importante, pois parece que o Sentinela assume a liderança da Casa se algo acontecer ao Lorde vigente… E acontece.

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Depois de escolher entre lutar, baganhar ou diplomatizar com Ramsay Snow, Ethan acaba, inevitavelmente, recebendo ele dentro da fortaleza. E justamente quando ficamos mais orgulhosos do jovem Lorde, que enfrenta Ramsay para salvar a irmã gêmea, Talia, o bastardo o apunhala na garganta, e ainda entrega seu herdeiro, o jovem Ryon, como refém para o Lorde Whitehill (The North will remember that).

Esse foi, sem sombra de dúvidas, um final digno de Game of Thrones, assim como um lembrete cruel de que, quando se joga o jogo dos tronos, ou você ganha, ou você morre. 

(Eu sou capaz de apostar que a morte de Ethan foi ideia de George R. R. Martin ou do seu assistente pessoal, que serviu como consultor para o jogo.)


O segundo capítulo de saga Forrester, intitulado “The Lost Lords”, deve ser lançado em fevereiro de 2015 para PCs, Xbox 360/One, Ps3/4 e iOS. Para saber os nomes de todos os capítulos da primeira temporada, basta clicar aqui.

E vocês, o que acharam de “Iron From Ice”? Quantas vezes vocês já jogaram? O que acham que o futuro reserva para Ironrath? Fiquem à vontade para dividir suas opiniões com a gente na seção de comentários. (E pra quem ainda não jogou: o que estão esperando? Bom jogo!)

[As imagens no post foram retiradas de www.thejimquisition.com]