George R. R. Martin esteve no México durante o último final de semana para participar como convidado da Feira Internacional do Livro (FIL) de Gualadajara, o maior evento literário da língua espanhola. A visita constava da agenda oficial do autor já há algum tempo, e ele, em 28 de novembro, havia revelado em seu Not A Blog ser a primeira vez que visitava o país, apesar de morar bem perto, no Novo México (EUA).
Na FIL, Martin participou de uma coletiva de imprensa, de uma sessão de autógrafos (em que assinou 500 livros), e de uma sessão de perguntas enviadas previamente pelos fãs e sorteadas na hora, conduzida por sua editora para a América Latina, representando a Penguin Random House. A sessão completa pode ser assistida aqui, e abaixo o Game of Thrones BR transcreve as que julgou mais relevantes em relação ao universo dos livros (e em menor escala, da série de TV), e depois alguns comentários a respeito.
A primeira pergunta questionava a GRRM se ele tinha algum evento histórico em mente para utilizar como base para uma nova história, e o autor respondeu que ainda tinha que terminar os projetos atuais antes de começar algo novo. Reiterou o que já havia revelado em outras entrevistas e em seu blog: além dos dois livros restantes da série principal das Crônicas de Gelo e Fogo, pretende ainda escrever mais oito ou nove contos de Dunk & Egg, e tem um contrato para escrever um livro específico sobre a história dos Targaryen (para o qual já tem bastante material). Disse ainda que também tem um projeto de uma nova série com a HBO.
Quando questionado sobre quem escolheria como seu campeão em um julgamento por combate, ele sugeriu a princípio um personagem seu de Wild Cards, o cavaleiro alemão Lohengrin, se não precisasse ser alguém do universo de Gelo e Fogo. Dentro deste, sugeriu primeiro Arthur Dayne, e depois de refletir que ele já estava morto quando os eventos da série de livros começaram, pensou em Jaime Lannister, mas lembrou que este haveria de ter as duas mãos; por fim, escolheu Brienne de Tarth. Martin foi questionado também sobre como descreveria o relacionamento entre Brienne e Jaime; respondeu que a relação entre eles está “evoluindo”, e que os leitores devem continuar lendo para ver em que isso vai dar.
Um leitor perguntou sobre como ele descreveria o relacionamento entre Mindinho e Varys. “De adversários“, foi a resposta. Martin disse que eles se encontram em um impasse, visto que os dois sabem coisas sobre seu adversário que preferem não tornar públicas, porque haveria retaliação e isso no fim significaria a destruição de ambos. Ele acredita que Petyr tenha uma ideia melhor dos planos de Varys do que o contrário, pelo fato de Mindinho ser um “agente do caos“, mais imprevisível.
Sobre o fim de sua história, ele mais uma vez disse que não acredita, enquanto escritor de ficção, em finais felizes, e que pretende ter um final agridoce, em que nem tudo se resolva perfeitamente. Ele remeteu, como já havia feito em outras ocasiões, ao Expurgo do Condado em O Senhor dos Anéis como exemplo de um “final perfeito” nesse sentido. Em outra resposta, ele disse também que vê diferença entre “pontas soltas” e ambiguidades não-esclarecidas deliberadamente deixadas pelo autor, para que os leitores possam discutir.
O autor esclareceu que Robert Baratheon nunca suspeitou que Joffrey, Myrcella e Tommen não fossem seus filhos. Nas palavras de George:
Robert não era um gigante intelectual, e tinha várias mágoas contra Cersei, mas isso nunca passou pela cabeça dele. Ele provavelmente teria matado a todos se acreditasse nisso, e achava que ninguém seria estúpido o bastante para correr esse risco.
Ele esclareceu também que os dothraki foram inspirados em vários povos do mundo real, principalmente os mongóis, mas que também incorporou a eles elementos dos hunos e algumas tribos indígenas norte americanas, como os cheyenne, além de “doses” de fantasia.
Ainda a respeito de povos e regiões distantes dos Sete Reinos, o autor foi perguntado também sobre o motivo de não haver crianças em Asshai (algo que é dito em O Mundo de Gelo e Fogo). Em sua resposta, George justamente questiona a fonte dessa informação, que seria o conhecimento dos meistres da Cidadela (e descreveu a situação como “um monge medieval escrevendo sobre o Vietnã”). Disse ainda que, apesar de não pretender ter cenas em Asshai nos livros, Melisandre pode lembrar da cidade em seus capítulos futuros e dar mais informações a respeito.
Uma pergunta interessante foi sobre quem George considerava “merecer o Trono de Ferro”. Ele respondeu que “merecer” não era exatamente uma palavra adequada, que o Trono acaba indo para quem tem poder para tomá-lo e mantê-lo. Entretanto, o autor disse que em seus livros ele deixa “dicas” de como um rei deve ser, atributos que separariam um bom rei de um mau. Ele entende que, apesar de ser um posição que confere ao titular muito poder, riqueza e glória (e que muitos são seduzidos por isso), o “rei” seria como um cargo público, o que significa que ele teria deveres para com a terra e o povo: de fazê-los prósperos, defendê-los e trazer justiça a eles.
Quando perguntado sobre se algum de seus personagens morreria de velhice, George respondeu bem-humoradamente que quem perguntou não devia estar prestando atenção, pois “achava” que Meistre Aemon havia morrido assim.
Um leitor questionou o que GRRM perguntaria a Tolkien se pudesse, ao que ele respondeu “Por que você trouxe Gandalf de volta dos mortos?” (um questionamento que ele já havia feito publicamente anos antes). Martin considera a morte de Gandalf em A Sociedade do Anel um momento muito poderoso, e não gostou de que o mago tenha voltado (ainda que como “O Branco”), dizendo que pessoalmente o teria deixado morto.
Quando inquirido sobre qual de seus personagens poderia ser um líder no mundo real atual, depois de ponderar por alguns momentos, respondeu Tyrion (e foi ovacionado por isso). Explicou que o anão era intelectualmente qualificado e já era experiente, entendendo bem a política e não sendo inocente, apesar de não ser necessariamente um líder querido, visto que também pode ser implacável. Por fim, também sugeriu que Daenerys poderia ser uma opção, “se pudesse trazer os dragões“.
Uma pessoa perguntou o que Podrick Payne havia feito para que as prostitutas não cobrassem dele. George respondeu que existem os livros, que ele escreve, e existe a série, escrita por Daniel Benioff e Dan Weiss, e que às vezes eles colocam coisas nela que não estão nos livros. GRRM, então, sugeriu (simpaticamente) que eles é quem deveriam ser questionados sobre o que Podrick fez, visto que isso não está nos livros e que ele mesmo “não sabe de nada“.
Uma outra pergunta curiosa foi: “Não tenho nenhuma linhagem real, que conselho você me daria para chamar Sansa para um encontro?”. George se divertiu com essa, e respondeu que sem alguma nobreza os Starks não estariam interessados em um encontro para Sansa, e que ela tampouco se divertia com camponeses, então isso não aconteceria. Ele esclareceu que se a pergunta fosse a respeito de Sophie Turner, isso era uma outra história.
Martin brincou quando perguntado o que mudaria nos livros, dizendo que os faria estar todos prontos. Quando respondeu a sério, repetiu o que já havia dito algumas vezes: tornar Robb Stark um personagem ponto-de-vista (entre outros motivos, porque alguns leitores suspeitaram estar fadado à morte por ser o Stark sem capítulos próprios).
Quando um leitor perguntou sobre o capítulo The Forsaken (O Abandonado), de Aeron Greyjoy em The Winds of Winter, dizendo ser o capítulo mais “escuro” até o momento, George revelou que no livro que está escrevendo haverá vários “capítulos escuros”. Ele ponderou que, levando em conta que ele não está escrevendo livros individuais mas uma grande história, as coisas devem piorar antes de melhorarem, então alguns personagens estarão em “lugares escuros” no próximo volume. Nas palavras dele:
O nome do livro é Os Ventos do Inverno. Eu venho dizendo a vocês há vinte anos que o inverno estava chegando. O inverno é o momento em que as coisas morrem, e frio, gelo e escuridão enchem o mundo. Então, esse não será o livro feliz pelo qual muitas pessoas podem estar esperando.
Agora, alguns comentários pessoais sobre as perguntas e respostas. É claro que vários dos assuntos já haviam sido tratados por Martin em outras entrevistas e declarações ao longo dos anos, mas o fato de ele reiterar as respostas não deixa de ser pertinente. O recorrente questionamento a respeito da morte e ressurreição de Gandalf em O Senhor dos Anéis levanta dúvidas sobre como se processará o retorno de Jon Snow nos livros dele. Na série de TV, afinal, não houve grandes mudanças no personagem (exceto pelo coque), algo que Martin parece não acreditar ser uma boa ideia. Em (ótima) entrevista a John Hodgman em 2011, ele diz que seus personagens que morrem e renascem voltam quase como outra pessoa, ou pelo menos com alguma coisa mudada ou transformada em seus “espíritos”.
A menção dele à diferença entre pontas soltas e ambiguidades deliberadamente não-esclarecidas é também algo interessante. Ainda na semana passada, enquanto discutíamos nos comentários aqui do site sobre a possibilidade de Tyrion Lannister ser ou não bastardo de Aerys II Targaryen, sugeri que essa questão pudesse nunca ser categoricamente revelada nos livros, sendo objeto de discussão eterna entre os fãs leitores. É claro que essa declaração de Martin não confirma especificamente se uma ambiguidade potencialmente deixada seria essa, mas acredito ser uma possibilidade razoável.
Também interessantíssimo que ele revele sobre a “evolução” na relação entre Jaime Lannister e Brienne de Tarth em Winds. Ainda que isso não signifique necessariamente um relacionamento amoroso, como “shippam” muitos fãs, uma presunção comum entre os leitores é que um deles seja eliminado no livro, por serem ambos personagens POV e estarem em uma mesma região. Pela resposta de George, entretanto, mesmo que a morte de algum deles em algum momento aconteça, aparentemente ela não é iminente e ainda haverá um bocado de interação entre eles. Relevante também que mais uma vez ele tenha citado as grandes habilidades de Jaime enquanto espadachim (já disse em outra oportunidade, por exemplo, que Jaime era um dos maiores da história de Westeros e venceria Aragon em batalha), quando muitos leitores, talvez influenciados pela série de TV, insistem em crer que o personagem é superestimado nesse aspecto. Mais surpreendente, porém, foi a sugestão de Brienne como campeã pessoal dele logo após duas lendas como o Espada da Manhã e o Lannister.
A respeito de Winds, não causa exatamente espanto que as coisas não fiquem especialmente melhores, mas também não deixa de surpreender que ele cite que haverá vários outros capítulos tão “escuros” quanto The Forsaken nele. É importante notar também que na postagem no blog em que ele anunciou que partia em viagem para o México, ele também declarou que sua agenda de aparições públicas para 2017 é bastante limitada, e que será assim até que o livro esteja finalizado. No post, ele diz que Guadalajara seria a última chance em alguns meses de os fãs conseguirem um autógrafo dele, do que se pode inferir duas coisas: que o livro no momento ainda não está especialmente próximo do fim, e que uma eventual vinda de Martin ao Brasil em 2017 não ocorrerá no começo do ano (o autor já declarou que poderá vir ao país no ano que vem, o que foi noticiado aqui e aqui).
Para ler os dez capítulos de The Winds of Winter já divulgados traduzidos, incluindo The Forsaken, clique aqui.