A longa espera por Os Ventos de Inverno é partilhada por todos os que gostam das Crônicas de Gelo e Fogo. Nós já compilamos tudo que sabemos sobre o processo de escrita desse livro (aqui) e todas as declarações do autor a respeito dele, o que serve para esclarecer muitas coisas. No entanto, é muito comum se encontrar na web um certo comentário repetido diversas vezes: o de que Martin estaria se dedicando apenas a “projetos paralelos”, e por isso, sua saga mundialmente reconhecida passa anos sem ganhar um livro novo.
Para além do mérito de que, enquanto artista, o autor pode e deve escrever aquilo que bem entende (as histórias que sente que tem algo a dizer) e que por isso, acho esse tipo de cobrança bastante irrelevante, essa afirmação também é normalmente fruto de desinformação. É por isso que decidi escrever esse texto. Para que possamos olhar para o que são esses supostos projetos paralelos e o que Martin tem feito com eles enquanto, para muitos, deveria estar escrevendo para a saga que tem mais público.
Antes disso, um esclarecimento: a editora Leya vem trazendo, nos últimos anos, diversas obras de Martin para o público brasileiro. No entanto, é importante notar que praticamente todas elas são livros que já foram lançados há pelo menos uma década e que estão apenas sendo traduzidos para o português. Os casos mais recentes disso foram Santuário dos Ventos (originalmente de 1981), RRetrospectiva da Obra (originalmente de 2003, e um compilado de obras escritas durante várias décadas) e Caçador em Fuga (originalmente de 2007). Estando isso bem fixado, vamos olhar para aos casos específicos a seguir.
Wild Cards é uma série de super heróis que reúne diversos autores há mais de 30 anos, organizada e editada por Martin e (desde 2008) Melinda Snodgrass. Com seu primeiro volume lançado em 1987, Wild Cards conta hoje com 26 livros publicados na série principal, além de 10 spin-offs. Estes livros são um dos principais alvos de acusações de coisas que Martin faz ao invés de dedicar seu tempo a Westeros. No entanto, uma rápida checagem em quais autores participaram de quais livros nos revela algo que pode parecer surpreendente: a última história de Martin para Wild Cards foi publicada no volume 18, Inside Straight, em 2008.
É verdade que ele segue sendo o editor de todos os livros (à exceção de um dos spin-offs, O Reciclador), mas não há como comparar o tempo que toma para escrever uma história e para organizar um livro. Além disso, existe, sim, uma base de fãs de Wild Cards, e além do compromisso do autor com a história, também há seu compromisso com os vários outros autores que estão envolvidos, portanto, isso não é, como muitas vezes se dá a entender, apenas uma diversão pessoal do autor (que, caso fosse, não haveria problema algum).
Também é importante notar que o trabalho de edição dos livros de Wild Cards também ocorreu durante a escrita de todos os livros anteriores de As Crônicas de Gelo e Fogo, e que, desde 2014, Melinda Snodgrass assumiu a co-edição de todos os livros principais da série, mesmo já sendo editora assistente desde 2008.
Antes de seu absoluto sucesso mundial com As Crônicas de Gelo e Fogo, Martin já havia escrito muitas histórias, principalmente de terror e ficção científica. O próprio autor já declarou em 2003, no livro RRetrospectiva da Obra que gostaria de retornar aos Mil Mundos e de fazer uma nova coletânea das histórias de Haviland Tuf, mas nos últimos quinze anos, não foi o que aconteceu.
A última vez que Martin publicou uma história de ficção científica foi sua homenagem a Jack Vance, A Night at the Tarn House, lançada na antologia Songs of the Dying Earth, de 2009. Esta foi também, a última publicação de Martin de qualquer coisa fora do universo das Crônicas de Gelo e Fogo até os dias de hoje. Houve, é claro, o trabalho de editor, que ele fazia, especialmente, com o seu recentemente falecido amigo Gardner Dozois. O autor não editou nenhuma antologia sozinho desde 1986.
Entre os anos de 2011 e 2014, Martin roteirizou um episódio por temporada para Game of Thrones. No entanto, em 2014, o autor anunciou que não iria mais fazer isso até que terminasse Os Ventos de Inverno. Esta promessa está sendo cumprida.
Além de se desligar de Game of Thrones, Martin recusou também a proposta para escrever episódios de Who Fears Death, adaptação do romance de Nnedi Okorafor, na qual o autor participará como produtor executivo (um título bastante abrangente, que pode significar desde um grande envolvimento até apenas uma consultoria eventual). Nessa ocasião, o autor reiterou que não irá escrever nada para televisão até finalizar o livro.
Especificamente, Martin também disse que entre as coisas que não escreverá para TV, estão episódios das séries sucessoras de Game of Thrones na HBO. Sobre estas séries, no entanto, George declarou que esteve envolvido em conversas com todos os showrunners que estão desenvolvendo ideias, e que a premissa da série aprovada para piloto sobre a Longa Noite, foi criada por ele e por Jane Goldman. Isso não significa que houve aí alguma real escrita do autor, mas conversas, trocas de e-mails, etc.
Ele também não estará envolvido na série de TV de Wild Cards, na qual Melinda Snodgrass, co-editora dos livros, será uma das produtoras executivas, nem na produção do Sy-Fy que adaptará Voadores da Noite, com estréia prevista para os próximos meses.
A terceira aventura de Dunk foi publicada em 2010, mas o autor tem planos futuros para escrever ainda muitas outras histórias. Uma quarta, que permanece sem título, mas é conhecida como The She-Wolves of Winterfell chegou a ser iniciada para aparecer na antologia editada por Martin e Gardner Dozois, Mulheres Perigosas, em 2013, mas como a história não foi finalizada a tempo, acabou sendo substituída por uma versão de A Princesa e a Rainha, que iremos discutir no próximo item. Na mesma ocasião, o autor declarou que não pretende lançar mais destas histórias antes de terminar Os Ventos do Inverno.
Ao contrário de praticamente todos os itens até aqui, os relatos da história de Westeros têm sido publicados de fato nestes últimos anos, e foram, em verdade, as únicas coisas escritas por Martin publicadas desde 2011. No entanto, também existem algumas confusões que devem ser esclarecidas.
A primeira delas tem a ver com O Mundo de Gelo e Fogo, lançado em 2014. A participação de Martin nesse livro, porém, é bastante menor do que imaginamos, o texto final que está no livro foi majoritariamente escrito pelo co-autores Elio García e Linda Antonsson, enquanto o papel de Martin foi criar materiais de base que serviram de “fonte” para Elio e Linda. Você pode conhecer mais detalhes sobre o processo de escrita deste livro aqui. Destaco o seguinte trecho:
Muito material bruto ainda restou, principalmente sobre a Casa Targaryen. Com isso surgiu a ideia de um novo livro, que seria completado e publicado depois que George terminasse As Crônicas de Gelo e Fogo. Porém, como grande parte do material já está escrito, decidiu-se que o livro será dividido em dois volumes. O primeiro será lançado em novembro de 2018, com o título Fire and Blood(“Fogo e Sangue”). Ele incluirá as versões completas dos três contos menores já publicados, e o material que Antonsson e García utilizaram para elaborar o texto principal de O Mundo de Gelo e Fogo.
Ou seja, o que iremos ler em Fogo e Sangue Vol I são coisas que já estão escritas pelo menos desde 2013, tanto é que trechos dele já estão disponíveis, A Princesa e a Rainha (em Mulheres Perigosas, 2013), O Príncipe de Westeros (em O Príncipe de Westeros e Outras Histórias, 2014) e Os Filhos do Dragão (em Crônicas de Espada e Feitiçaria).
O autor já deixou claro que a publicação o livro foi adiantada por razões editoriais, entre elas, as notícias das séries derivadas de Game of Thrones. É interessante notar que, quando o primeiro volume foi anunciado, Martin respondeu a uma pergunta em seu blog, dizendo que, diferentemente do que foi feito com este livro, ele está resistindo à ideia dada por seus editores de dividir Os Ventos de Inverno em dois volumes.
Tendo em vista que nos últimos anos, além de não ter iniciado muitos projetos novos, como costumeiramente fazia (à exceção de um grande projeto sobre história imaginária), acabou deixando vários outros de lado, a resposta para a pergunta do título parece ser a mais simples possível: Martin tem mesmo dedicado a imensa maioria do seu tempo de trabalho para finalizar Os Ventos de Inverno.