Foto original: Dravecky, Wikimedia Commons.

George R. R. Martin, assim como muitos outros autores — para não arriscar dizer a imensa maioria — tem o hábito de, nas páginas iniciais de suas publicações, fazer uma dedicatória para pessoas que foram especiais no processo de escrita ou publicação daquele material. Já se perguntou quem são as pessoas que ajudaram, mesmo que indiretamente, essas histórias a chegar até nós? Nessa série de publicações, iremos trazer compilações e contextualizações sobre todas as dedicatórias escritas por Martin.

É uma tarefa extensa, uma vez que isso inclui suas coletâneas, antologias, romances e também romances-mosaico organizados por ele. Mas não poderíamos começar por outra parte de sua obra que não As Crônicas de Gelo e Fogo. Confiram quem foi homenageado em cada livro da série principal, bem como nas obras derivadas.

A Guerra dos Tronos

Este vai para Melinda.

O primeiro livro de As Crônicas de Gelo e Fogo foi dedicado à amiga de George, também escritora, Melinda Snodgrass. Parte do grupo que jogou a campanha do RPG Super World no início dos anos 90, hoje em dia, Melinda divide o cargo de editora de Wild Cards com George, e quando A Guerra dos Tronos foi publicado, já era parte importante da equipe de autores da série, sendo criadora do Dr. Tachyon, um dos mais célebres personagens.

Seu histórico inclui diversas séries de livros de fantasia e ficção científica, com destaque para Imperials. Também foi roteirista de Star Trek: Next Generation, universo no qual ainda editou uma coletânea, que inclui um conto seu. Atualmente, Melinda é uma das produtoras das vindouras séries de TV baseadas em Wild Cards. Tem dois contos publicados no Brasil em coletâneas editadas por Martin e Gardner Dozois: Escrito no Pó, em As Crônicas de Marte, e As Mãos que Não Estão Lá, em Mulheres Perigosas.

A Fúria dos Reis

Para John e Gail, por toda a carne e hidromel que compartilhamos.

John Jos Miller, Gail Gerstner, Walter Jon Williams e George R. R. Martin durante suas sessões de Superworld, que dariam início a Wild Cards.

O escritor John Jos. Miller e sua esposa, Gail Gerstner, são amigos de longa data de George. Também residentes do Novo México (o casal mora em Albuquerque, enquanto George, em Santa Fe), fizeram parte do círculo de amigos ao qual George se junto por intermédio de Roger Zelazny, quando era um recém chegado na cidade. John acredita que ambos tenham se conhecido em alguma das sessões de RPG na casa do também escritor Walter John Miller, ou em alguma convenção.

Em uma dessas sessões, George ficou encarregado de mestrar uma campanha no sistema Super World, e o grupo de amigos, que contava tanto com John e Gail, como com George e Parris, começou a desenvolver o que eventualmente se tornaria a série Wild Cards. Gail se aventurou a escrever também e participou de um dos volumes da série, Ases pelo Mundo, introduzindo sua personagem no jogo original, a Peregrina. Já John, que estreou já no primeiro volume da série com seu personagem, O Caçador, já participou de 16 volumes até hoje.

A Tormenta de Espadas

Para Phyllis, que me convenceu a incluir os dragões.

Phyllis Eisenstein.

A escritora Phyllis Eisenstein, amiga pessoal de Martin e autora de fantasia que publica desde os anos 70, foi a homenageada desse livro. A relação entre os dois autores é antiga: seu conto publicado em 1978, Lost and Found, dez anos mais tarde foi adaptada como um episódio da segunda Além da Imaginação, e o roteiro foi escrito por George.

Em agosto de 2017, Martin comentou como, apesar de sempre ter planejado que os dragões fossem o símbolo da casa Targaryen, as criaturas não estariam presentes na sua saga literária, no entanto, Phyllis o convenceu a incluí-los, recebendo, por isso, a dedicatória em A Tormenta de EspadasAlém disso, o personagem Alaric de Eysen, presente no casamento de Joffrey e Margaery é uma pequena referência ao protagonista do romance de Phyllis, Tales of Alaric the Minstrel. Uma história de Phyillis com Alaric também está presente em Rogues, antologia editada por Martin e Gardner Dozois.

O Festim dos Corvos

Para Stephen Boucher, o mago do Windows, o dragão do DOS, o responsável por esse livro não ter sido escrito em giz de cera.

Todos sabemos que os livros de George não são escritos da maneira mais moderna possível: ele ainda usa um computador com sistema operacional DOS, um sistema antigo, simples e sem conexão com a internet. Até pouco tempo, o escritor ainda usava um computador que datava do início dos anos 80. Hoje usa uma máquina mais nova, mas que continua emulando o DOS. Durante a escrita de O Festim dos Corvos, no entanto, seu computador parou de funcionar. O livro é dedicado ao técnico de informática Stephen Boucher, que conseguiu consertá-lo sem que o que já havia sido escrito fosse perdido.

A Dança dos Dragões

Este é para meus fãs, para Lodey, Trebla, Stego, Pod, Caress, Yags, X-Ray e Mr. H, Kate Chataya, Mormont, Mich, Jaime, Vanessa, Ro, para Stubby, Louise, Agravine, Wert, Malt, Jo, Mouse, Telisiane, Blackfyre, Bronn Stone, Coyote’s Daughter e o restante dos homens loucos e mulheres selvagens da Irmandade sem Estandartes,

Para os meus magos do website, Elio e Linda, senhores de Westeros, Winter e Fabio do WIC, e Gibbs do Dragonstone, que começou tudo isso,

Para os homens e mulheres de Asshai, na Espanha, que cantam para nós sobre um urso e uma bela donzela, e os fabulosos fãs da Itália que me deram tanto vinho,

Para meus leitores na Finlândia, Alemanha, Brasil, Portugal, França, Holanda e todas as terras distantes que estiveram esperando por esta dança,

E para todos os amigos e fãs que ainda encontrarei, obrigado pela paciência.

O sucesso de Martin cresceu exponencialmente entre o lançamento de O Festim dos Corvos A Dança dos Dragõespor conta da produção e lançamento de sua adaptação televisivaO intervalo entre esses dois volumes também foi a maior espera de As Crônicas de Gelo e Fogo para os fãs. Nesse sentido, é simbólico que George os agradeça pela paciência, e apesar de mencionar vários países onde sua obra estava sendo publicada e lida, faz questão de citar nominalmente alguns de seus mais antigos e fiéis leitores. Entre os mencionados, está Adam Whitehead, autor do blog Wertzone, que chegou a virar personagem em um dos capítulos liberados de Os Ventos de Inverno e Peter Gibbs, fundador do Dragonstone, o primeiro site de fãs para a série de livros.

A Brotherhood Without Banners é uma antiga organização de fãs da saga que se reúne em convenções desde 2001, quando também contavam com a participação de Martin. O autor citou alguns de seus membros fundadores, que se conheceram online nos primórdios do fandom. Agradeceu também ao fórum do site Westeros.org, a mais antiga organização online de fãs da saga ainda em existência, criada por Elio García e Linda Antonsson, que são agradecidos logo abaixo. Elio e Linda possuem uma longa amizade com George, sendo frequentemente consultados pelo autor para evitar inconsistência nos livros, e também, tendo sido escolhidos  como co-autores de O Mundo de Gelo e Fogo.

George R. R. Martin com membros do fã clube oficial Brotherhood Without Banners.

Junto com eles, são mencionados os então administradores do site Winter is Coming, portal que hoje faz parte de um conglomerado de mídia para notícias pop em geral. Ainda entre os sites, o Asshai foi o primeiro fórum em espanhol para fãs da saga. Embora ainda esteja no ar, as discussões originais (que incluíam até uma entrevista com George), foram perdidas.

O Cavaleiro dos Sete Reinos

George R. R. Martin e Raya Golden.

Para Raya Golden, por todos os sorrisos animados e ilustrações bonitas.

Raya Golden trabalha com Martin como assessora na Fevre River Packet Company, onde concentra as funções de assessora de arte, licenciamento e redes sociais pelos últimos nove anos. Como artista, sua primeira graphic novel foi uma adaptação do conto do autor, O Homem do Depósito de Carne, que chegou a ser indicada ao prêmio Hugo. Em 2019, adaptou Starport, um roteiro antigo de Martin para uma série de TV que nunca chegou a ser produzida, para quadrinhos também. O Gelo & Fogo entrevistou Raya no ano passado a respeito desse lançamento.

O Mundo de Gelo e Fogo

Para o Senhor mais estimado e gracioso, Tommen, Primeiro de Seu Nome, Rei dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, Senhor dos Sete Reinos e Protetor do Território, Yandel humilde Meistre da Cidadela, deseja prosperidade mil vezes, agora e sempre, e sabedoria sem igual.

Como uma obra cuja escrita simula ser um livro dentro do universo de As Crônicas de Gelo e Fogo, a dedicatória é feita para um personagem, o atual ocupante do Trono de Ferro, Tommen Barahteon. Ela é assinada por Meistre Yandel, o alterego de Elio Garcia e Linda Antonsson, fundadores do site Westeros.org, e autores de fato da maior parte do texto do livro.

Fogo & Sangue

Para Lenore, Elias, Andrea e Sid, os Mountain Minions.

Os assistentes de George, a quem ele carinhosamente chama de minions, são os membros da Fevre River Packet Company. Há uma publicação no subreddit Valíria, na qual o usuário Alto Valiriano listou o que sabemos sobre a identidade desses assistentes. Em Fogo e Sangue, estão referenciados Elias Gallegos, que coordena o Jean Cocteau Cinema, Lenore Gallegos, que entre outras funções, coordena a agenda de George, Siri Dharam Kaur Khalsa, garçonete e barista no Jean Cocteau Cinema, e Andrea L. Mays, cujas funções são desconhecidas do grande público.

Não se sabe com certeza o significado do termo “Mountain Minions” e qual seria sua diferença em relação aos minions “regulares”. No entanto, uma teoria interessante, em artigo de nosso colega espanhol Javi Marcos, e que considero a mais provável, é que essas tenham sido as pessoas que o auxiliam durante os períodos em que está recluso em sua cabana secreta, como para a escrita de Fogo e Sangue.

É interessante notar que em três dos casos que mencionamos aqui, os livros foram dedicados a outros escritores de ficção científica e fantasia, amigos de George e também, influências para ele. Pessoalmente, sempre defendo que para ampliar nosso entendimento de As Crônicas de Gelo e Fogo, sempre vale à pena localizá-las no tempo e no espaço.

O que Martin costuma ler? Qual a importância da obra em relação a outros trabalhos sendo publicados na mesma época? O que os influenciou e o que foi influenciado por eles? Algumas dessas respostas estiveram nessa primeira parte do artigo, porém, muitas mais virão na sequência, onde falaremos sobre as dedicatórias dos outros romances e coletâneas de Martin.