Foi lançado hoje o livro Fire Cannot Kill a Dragon (“Fogo Não Pode Matar um Dragão”), de James Hibberd, jornalista da Entertainment Weekly que se notabilizou ao longo dos anos por seu trabalho bastante próximo da produção de Game of Thrones. O livro traz um histórico completo da série baseado em diversas entrevistas que Hibberd fez com os showrunners, diretores, roteiristas, executivos da HBO, atores, e também George R. R. Martin.
O foco da obra é Game of Thrones enquanto produção televisiva, mas por se tratar (ao menos originalmente) de um projeto de adaptação, referências aos livros e declarações de George que fazem referência a As Crônicas de Gelo e Fogo são inevitáveis. Já tive contato com o livro de Hibberd e pesquisei as falas de Martin que podem ser de interesse para os livros. A seguir, vou elencar algumas das que julguei mais pertinentes, e já alerto: há spoilers de The Winds of Winter, e possivelmente além!
Game of Thrones terminou com Bran Stark no Trono de Ferro, uma reviravolta um tanto surpreendente tanto para espectadores quanto para leitores. Depois do fim da série, entrevistas do ator de Bran, Isaac Hempstead-Wright, e dos showrunners David Benioff e D. B. Weiss, indicavam que esse destino teria vindo diretamente de George R. R. Martin, mas as declarações até então permitiam interpretações duvidosas nesse sentido.
Fire Cannot Kill a Dragon traz uma declaração de Martin em que ele expressamente diz que “[contou] a eles quem estaria no Trono de Ferro” na já famosa reunião de 2013, em que se reuniu com os roteiristas para passar a ele seus planos para o futuro da série, já que a ultrapassagem dos livros era iminente.
Na mesma fala citada, George menciona que também contou aos produtores a reviravolta de Hodor e “hold the door“, momento também marcante na adaptação televisiva, mas que ainda não ocorreu nos livros de As Crônicas de Gelo e Fogo. Mais adiante no livro, esse ponto em específico do enredo é novamente abordado, e com maiores detalhes.
Hibberd diz que Martin idealizou a backstory de Hodor quando ainda estava escrevendo o primeiro livro, mas que a cena de “hold the door” vai acontecer de forma diferente num futuro livro (não especificado). O autor chegou a entrar em detalhes sobre seus planos:
Entrar na mente de alguém é uma obscenidade. Então o Bran pode ser responsável por Hodor ser um simplório, por entrar de maneira tão forte na mente dele que isso reverberou pelo tempo afora. A explicação dos poderes de Bran, toda a questão do tempo e da causalidade — podemos alterar o passado? O tempo é um rio em que se pode navegar só numa direção ou um oceano que pode ser afetado em qualquer lugar que se mergulhe? São esses assuntos que quero explorar no livro, mas é mais difícil de explicar na série.
[…]
Acho que eles executaram a cena muito bem, mas vai haver diferenças no livro. Eles a fizeram de uma forma muito física — “hold the door” (“segure a porta”) com a força de Hodor. No livro, Hodor roubou uma das espadas velhas da cripta. Bran vem wargando o Hodor e praticando no corpo dele, porque o Bran foi treinado em armas. Então dizer ao Hodor pra “segurar a porta” é mais algo como “defenda esta passagem” — defenda quando os inimigos chegarem — e Hodor vai estar lutando e os matando. Um pouco diferente, mas a mesma ideia.
Outra questão revelada “pelas metades” até agora era o sacrifício de Shireen por Stannis Baratheon. Logo depois de a cena ir ao ar, ainda no featurette “Inside the Episode”, Benioff revelou que a morte da menina vinha de George R. R. Martin — sem, porém, entrar em maiores detalhes. A discussão nos anos seguintes girava em torno de quem seria o responsável por ordenar o sacrifício: se o próprio Stannis, Melisandre, ou ainda outra pessoa.
Muitos leitores que superaram a visão superficial de um Stannis obcecado pelo poder e manipulado por Melisandre adquiriram, pelo contrário, uma visão um tanto exagerada e idealizada do personagem, e se recusavam a admitir que ele mesmo poderia se convencer a dar a ordem do sacrifício da própria filha. Tratei brevemente do assunto ainda na época que a polêmica surgiu neste artigo.
Na mesma fala dos dois itens anteriores, George menciona “a decisão de Stannis de queimar a filha”, e em outra passagem do livro, Hibberd diz expressamente:
Stannis matar a filha foi uma das cenas mais agonizantes em Game of Thrones e um dos momentos que Martin havia contado aos produtores que estava planejando para Os Ventos do Inverno (embora a versão do livro da cena vá acontecer de uma maneira um pouco diferente).
Se pudermos confiar em Hibberd (e não temos motivos para duvidar dele), ficou claro, portanto, não apenas que Stannis ordenará o sacrifício de Shireen pessoalmente, como também que a cena acontecerá ainda em Os Ventos do Inverno (o que tampouco se sabia até o momento).
A decisão dos showrunners foi de cortar de Game of Thrones a Senhora Coração de Pedra, a versão morta-viva de Catelyn Stark, ressuscitada por Beric Dondarrion em As Crônicas de Gelo e Fogo. Benioff diz no livro que sequer houve muito debate sobre incluí-la, e Weiss declara:
A cena em que ela aparece pela primeira vez é um dos melhores momentos “caralho!” dos livros, acho que é esse momento que gerou a reação do público, mas depois…
A fala denota uma certa insatisfação com o progresso da história da Stoneheart. Benioff ainda acrescenta que não podem entrar em detalhes, mas que um dos motivos pelos quais eles não quiseram inseri-la tem a ver com eventos dos livros de George sobre os quais “eles não querem dar spoiler”, o que indica que eles não gostaram muito dos planos do autor para a trama que envolve a personagem (provavelmente porque conflitava com o que eles mesmos achavam melhor para a série de TV).
Ainda, consideravam que sabiam que a ressurreição de Jon Snow estava por vir, e ele julga que ressurreições demais diminuiram o impacto das mortes dos personagens. Em terceiro lugar, eles achavam que uma versão “zumbi que não fala” de Catelyn não faria justiça a uma atriz do calibre de Michelle Fairley.
Por outro lado, George R. R. Martin declara no livro sobre a personagem:
A Senhora Coração de Pedra tem um papel nos livros. Se é suficiente ou interessante o bastante… eu acho que é, ou não a teria incluído. Uma das coisas que eu quis mostrar com ela é que a morte que ela sofreu muda uma pessoa.
Ainda na mesma passagem, Martin comenta que “de forma alguma passamos por todo mundo”, indicando que os personagens secundários (ou terciários) podem ter destinos bastante diferentes em seus livros.
Uma das mudanças mais polêmicas de Game of Thrones (aquela que fez muita gente se desiludir de vez com os rumos que a série estava tomando, inclusive eu) foi alterar o arco de Sansa no Vale de Arryn e colocá-la como a vítima do casamento arranjado com Ramsay Bolton. Em As Crônicas de Gelo e Fogo, esse papel cabe a Jeyne Poole, amiga de Sansa que é forçada a se passar por Arya Stark (o que daria crédito e legitimidade ao casamento para os Bolton).
Benioff disse a respeito:
Sansa é uma personagem de que gostamos mais do que qualquer outra. Queríamos muito que a Sansa tivesse um papel importante naquela temporada. Se fôssemos ficar absolutamente fiéis ao livro, seria muito difícil de fazer isso. Havia uma subtrama que nós adorávamos nos livros, mas era com uma personagem que não estava na série [Jeyne Poole].
Bryan Cogman acrescentou:
Se você tem uma trama envolvendo Ramsay, você vai usar uma das suas meninas principais (que é uma atriz incrivelmente talentosa que todos acompanhamos por cinco anos e que os espectadores amam e adoram), ou vai trazer uma personagem nova pra isso? Você vai usar a personagem em que a audiência já está investida.
[…]
Nosso Mindinho é um pouco mais descarado que o jogador por trás dos panos dos livros — sem dizer que um é melhor que o outro. E Ramsay não é conhecido em todo lugar como um psicopata. O Mindinho não tem essa inteligência. Ele sabe só que os Boltons são assustadores e aterrorizantes e não são totalmente dignos de confiança.
George R. R. Martin, porém, esclareceu em parte suas intenções nos livros:
Meu Mindinho nunca entregaria a Sansa para o Ramsay. Ele é obcecado por ela. Na metade do tempo ele acha que ela é a filha que ele nunca teve — que ele queria ter, se tivesse se casado com Catelyn. Na outra metade, ele acha que ela é a Catelyn, e a quer pra si. Ele não vai dá-la pra alguém que faria mal a ela. Isso vai ser bem diferente nos livros.
Deixo para que cada um dos leitores tire suas conclusões a esse respeito.
Ainda não temos notícias sobre um possível lançamento do livro no Brasil. Ele está disponível em versão Kindle na Amazon em inglês (já lançado) e em espanhol (com lançamento previsto para novembro).