Olá! Está é a edição 12 de Assim Falou Martin, a editoria em que o Gelo & Fogo traz declarações de George R. R. Martin, autor de As Crônicas de Gelo e Fogo. Os registros desta edição estão originalmente no Westeros.org, que gentilmente autorizou que traduzíssemos para o português.

Os relatos publicados hoje são de novembro de 1999, e são correspondência de George R. R. Martin com fãs. Tentamos, na tradução, manter a escrita original, na medida do possível. As ilustrações são por nossa conta (e claro, dos autores). Ao final, alguns comentário meus sobre as respostas.

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A sucessão Hornwood e os Whents

Correspondência com fã, enviada por Maia B.. 2 de novembro de 1999.

[Sumário: Maia pergunta sobre a herança dos Hornwood, diante do fato de que a irmã do Lorde Hornwood não está sendo considerada ao senhorio, mas o filho dela sim, e também um dos bastardos dele. Uma vez que já vimos mulheres como chefes de casas (Mormont, Whent, e outros exemplos listados), isso não parece fazer sentido. Além disso, como a esposa do Lorde Hornwood ou um futuro marido dela poderiam ser considerados detentora legítimos de suas terras em detrimento dos parentes de sangue do Lorde Hornwood? Além disso, Maia perguntou sobre a Senhora Whent ser chamada de “última de sua linhagem”, uma vez que uma Whent é listada como casada com um Frey, mas GRRM não respondeu a essa.]

Bem, a resposta curta é que as leis de sucessão nos Sete Reinos têm como modelo aquelas da história medieval real… o que quer dizer que elas eram vagas, não-codificadas, sujeitas a várias interpretações, e frequentemente contraditórias.

O filho mais velho de um homem era seu herdeiro. Depois disso, o próximo filho mais velho. E então o próximo etc. Filhas não eram consideradas enquanto houvesse um filho vivo, exceto em Dorne, onde mulheres tinham direitos iguais de herança de acordo com a idade.

Depois dos filhos, a maioria diria que a filha mais velha é a próxima na linha. Mas poderia haver um argumento dos irmãos do morto, digamos. Um irmão ou uma filha têm precedência? Cada lado tem uma “pretensão.”

E se não houvesse filhos, só netos e bisnetos? Qual entre precedência e proximidade é o princípio mais importante? Bastardos têm algum direito? E quanto a bastardos que foram legitimados, eles entram no final depois dos filhos nascidos legítimos, ou de acordo com a ordem de nascimento? E quanto às viúvas? E quanto ao testamento do falecido? Um lorde pode deserdar um filho, e nomear um filho mais novo como herdeiro? Ou até um bastardo?

Não existem respostas categóricas, seja em Westeros ou na história medieval real. As coisas eram com frequência decididas caso a caso. Um caso poderia estabelecer um precedente para casos posteriores… mas com a mesma frequência, os precedentes conflitavam tanto quanto as pretensões.

Rei Clóvis
Clóvis, Rei dos Francos, dita a Lei Sálica. Ela seria usada séculos mais tarde para fundamentar pretensões numa disputa pelo Trono da França. Fonte: Wikimedia Commons.

Com efeito, se você olhar a história medieval, pretensões conflitantes foram a causa de três quartos das guerras. A Guerra dos Cem Anos nasceu de uma disputa sobre se um sobrinho ou um neto de Felipe, o Belo, tinham a melhor pretensão ao trono da França. O sobrinho conseguiu a decisão, porque a pretensão do neto passava por uma filha (e porque ele era o rei da Inglaterra também). E essa bagunça foi complicada por um dos precedentes (a Lei Sálica) que havia sido inventado pouco tempo antes para resolver a disputa depois da morte do filho mais velho de Filipe, em que os pretendentes eram (1) a filha do filho mais velho de Filipe, que podia ou não ser bastarda, já que sua mãe era adúltera, (2) o filho não-nascido do filho mais velho, que sua segunda esposa esperava, de sexo desconhecido, e (3) o segundo filho de Filipe, outro Filipe. Advogados de (3) escavaram a Lei Sálica para excluir (1) e possivelmente (2) se fosse menina, mas (2) foi menino, então se tornou rei, embora tenha morrido uma semana depois, e (3) ficou com o trono no final. Mas quando ele morreu, sua própria prole, toda composta de mulheres, foi excluída com base na lei que ele havia escavado, e em vez disso o trono foi para o filho mais novo… e enquanto isso (1) teve filhos, um dos quais em dado momento era o rei de Navarra, Carlos, o Mau, que foi muito babaca na Guerra dos Cem Anos em parte porque sentia que a pretensão dele era melhor que tanto a de Filipe de Valois quanto a de Eduardo Plantageneta. E sabe, era. Só que Navarra não tinha um exército tão grande quanto a França ou a Inglaterra, então ninguém o levou a sério.

A Guerra das Rosas foi disputada sobre a questão de qual pretensão seria superior, entre a lancastriana (derivada do terceiro filho de Eduardo III na linha direta masculina) ou a yorkista (derivada de uma combinação entre o segundo filho de Eduardo, mas pela linha feminina, casado com descendentes de seu quarto filho, pela masculina). E os Beauforts, uma família inteira de sangue bastardo legitimado, desempenharam um papel enorme.

E quando Alexandre III, Rei da Escócia, caiu de um penhasco, e Margarida a Donzela da Noruega morreu no caminho para casa, e os lordes escoceses chamaram Eduardo I da Inglaterra para decidir quem tinha a melhor pretensão ao trono, algo como quatorze ou quinze (tenho que conferir o número exato) “competidores” apareceram para apresentar seus pedigrees e documentos à corte. A decisão ao final ficou entre precedência (John Balliol) contra proximidade (Bruce) e foi a favor de Balliol, mas aqueles outros treze caras todos tinham pretensões também. O rei Eric da Noruega, por exemplo, baseou sua pretensão ao trono em sua filha, a supramencionada Donzela da Noruega, que fora rainha, embora por um curto período. Ele parecia acreditar que a herança deveria correr para trás. E diabos, se ele fosse rei da França ao invés de rei da Noruega, talvez tivesse corrido.

O mundo medieval era governado por homens, não por leis. Poderia-se até argumentar que os lordes preferiam que as leis fossem vagas e contraditórias, já que isso dava a eles mais poder. Em uma complicação como o caso dos Hornwood, em última instância o lorde decidiria… e se alguns dos pretendentes mais poderosos não gostassem da decisão, poderia se chegar a uma disputa armada.

O final das contas, suponho, é que a herança era decidida tanto pela política quanto pelas leis. Tanto em Westeros quanto na Europa medieval.

Idade da maioridade

Correspondência com fã, enviada por Steve M.. 4 de novembro de 1999.

Com qual idade um menino em Westeros se torna legalmente um homem?

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E como a idade afeta o cumprimento de juramentos? Especificamente, se Jon Snow tinha 14-15 anos quando fez seus juramentos à Patrulha da Noite ele pode evitá-los já que era, talvez, menor?

Não há brechas. Se você disse as palavras, está dentro.

Dito isso, a Patrulha não daria o juramento a um menino que fosse seriamente um menor, como um de 12 anos.

Casa Reyne
Brasão da Casa Reyne, de Castamere.

Mais casas

Correspondência com fã, enviada por Elio M. García, Jr.. 13 de novembro de 1999.

Também, odeio ter que dizer, mas adicionei mais casas recentemente. A maioria só inventei por inventar… (Parece que invento heráldica como forma de desembolar nesses últimos tempos) mas duas delas, agora extintas (Tarbeck e Reyne, ambas nas Terras Ocidentais) são mencionadas várias vezes em Tormenta de Espadas. Foram vassalos Lannister rebeldes esmagados por Lorde Tywin em sua juventude. Os Reyne até têm uma música…

Jeyne Poole e o gato preto

Correspondência com fã, enviada por Elio M. García, Jr.. 14 de novembro de 1999.

1) O que aconteceu com Jeyne Poole?

Tudo será revelado no momento certo.

2) O gato preto (o que Arya brevemente agarra) é o Balerion de Rhaenys?

Pode ser.

Gato Balerion
Balerion agarra um corvo. Arte: Jordi González Escamilla.

Tywin e os Reynes

Correspondência com fã, enviada por Elio M. García, Jr.. 15 de novembro de 1999.

Ainda estou expandido a história dos Reynes, Tarbecks e Lannisters, então não tem nada cimentado… mas Tywin não era na verdade lorde quando lidou com os Reynes (de Castamere) e os Tarbecks (de Salão Tarbeck). O pai dele ainda estava vivo. Lode Tytos tinha uma personalidade totalmente diferente, amigável mas ineficaz, e se permitia ser bastante manobrado, por várias pessoas… incluindo Lorde Walder Frey (já parou para pensar como Genna acabou se casando tão pobremente?) e o Leão Vermelho de Castamere, o vassalo mais rico e poderoso dos Lannister, e um soldado/guerreiro formidável por si só…

Bem, como eu disse, ainda estou fazendo sintonia fina disso na minha cabeça. Não tenho certeza do quanto disso vai parar nos livros, de qualquer forma…

Naerys Targaryen
Naerys Targaryen. Arte: Roman Papsuev.

Respostas a perguntas antigas

Correspondência com fã, enviada por Elio M. García, Jr.. 15 de novembro de 1999.

Voltei a olhar o material histórico, em particular Aemon, o Cavaleiro do Dragão, e as coisas relacionadas a ele. Há uma menção de Sansa (em Guerra dos Tronos) sobre Aemon defender a Rainha Naerys contra as acusações do ‘maldoso’ Sor Morgil. Isso é um mais um dos floreios dos cantores depois da vida de Aemon ou é baseado em um evento real?

Bem, os cantores floreiam tudo, mas houve um Sor Morgil e ele realmente acusou Naerys de várias coisas… provavelmente adultério e traição com Aemon, mas ainda não fixei isso…

Também, quanto os roinares impactaram os costumes modernos de Dorne? Isto é, além das leis de herança sem restrição de gênero, o par de deuses roinares que os populares podem ter tornado santos ou seres meio angelicais, e talvez os escudos redondos… Em particular, uma vez que Nymeria era uma rainha-guerreira, há uma certa tradição amazônica?

Os roinares impactaram Dorne de várias formas, algumas das quais serão reveladas em livros futuros. As mulheres definitivamente têm mais direitos em Dorne, mas eu não diria que é uma tradição “amazônica”, necessariamente. Nymeria tinha mais em comum com alguém como Daenerys ou Joana d’Arc do que com Brienne ou Xena, a Princesa Guerreira.

O custo dos Homens sem Rosto

Correspondência com fã, enviada por Kay-Arne Hansen. 15 de novembro de 1999.

[Nota: este e-mail se relaciona com uma discussão em um dos fóruns, em que uma estimativa do custo de se contratar um Homem sem Rosto foi feita com base em comentários de Mindinho. Martin respondeu, quando apresentado com essas estimativas, que as declarações de Mindinho foram tomadas muito literalmente.]

Os Homens sem Rosto não publicam uma lista de preços na porta. Funciona de uma forma que você vai até eles e diz quem quer que seja morto, e aí eles negociam o preço. Quanto mais proeminente for a vítima, quanto mais difícil for de se aproximar, quanto mais perigoso para o assassino e a guilda, mais alto será o preço.

Derrota dos Outros 8000 anos atrás

Correspondência com fã, enviada por Dirjj. 23 de novembro de 1999.

Como os Outros foram derrotados 8 mil anos atrás? Em números grandes, eles parecem ser invencíveis. Pelo fato de a ofensiva deles contra a Muralha ter sido interrompida, isso constitui uma derrota? Houve um contra-ataque humano?

Bem, foi milhares de anos atrás, então muitos dos fatos estão perdidos nas areias do tempo ou se tornaram lenda. Vocês descobrirão mais em volumes futuros… mas provavelmente não tudo, não…

A longa e interessantíssima resposta de George sobre a sucessão Hornwood vai ao encontro de vários comentários que tenho feito nesta seção ao longo das ediçoes passadas: não existem respostas absolutas e infalíveis para muitas das questões legais e sucessórias dos Sete Reinos, como muitas vezes tendemos a buscar. Como George aponta, não havia um corpo legal codificado, o que significava um conjunto de costumes – alguns mais sedimentados, outros menos – sujeitos a serem flexibilizados em decorrência de uma circunstância ou outra.

O aparte de Martin para falar sobre o início da Guerra dos Cem Anos e a sucessão de Filipe, o Belo, remete à série de romances históricos Os Reis Malditos, do francês Maurice Druon, da qual George já disse por várias vezes ser fã (e para a qual escreveu o prefácio em uma recente edição em língua inglesa).

A resposta seguinte, sobre a maioridade e os votos da Patrulha, é um bom exemplo dessa certa “flexibilidade”, e lembra um pouco a resposta no AFM anterior, quando ele dizia sobre a idade para relações sexuais em Westeros. A “maioridade legal” é atingida com 16 anos, mas se uma pessoa tiver pouco menos do que isso e tiver aparência de “adulta”, já está sujeita a um tratamento como tal. Relevante também a afirmação categórica dele de que “não há brechas” no juramento: se alguém proferiu as palavras, está dentro.

É interessante observarmos também como o autor foi elaborando a história dos Reynes e Tarbecks, que só apareceu na série de livros em A Tormenta de Espadas, que só seria publicado no ano seguinte a essas respostas. O destino de Jeyne Poole, questionado por Elio García, foi revelado no mesmo livro. George não foi categórico quanto ao gato preto ser Balerion, mas parece suficientemente claro que é o caso.

A história de Morgil, Aemon e Naerys foi um pouco mais elaborada em O Mundo de Gelo e Fogo, vários anos mais tarde. O cavaleiro “mau” recebeu um sobrenome (Hastwyck), e é sugerido por Grande Meistre Kaeth que os rumores de adultério com os quais Morgil acusou Naerys foram incentivados pelo próprio Aegon IV.

A resposta sobre a derrota dos Outros no fim da Longa Noite é também interessante, pois Martin diz que o leitor não conhecerá tudo a respeito desses eventos nos livros (embora mais do que já havia sido revelado). A intenção era claramente manter algumas coisas envoltas na névoa das lendas e mitos. Isso se torna especialmente relevante atualmente, quando a HBO autorizou a produção de um piloto especificamente sobre o fim da Era dos Heróis e a chegada da Longa Noite, cujo pitch diz que o espectador conhecerá algo como a “verdadeira história” – o que significa que a aura de mistério aparentemente se perderá.

Na semana que vem, chegamos ao Assim Falou Martin número 13. A caixa de comentários para discussão da edição 12 de falas de George R. R. Martin está aberta abaixo. Para acessar a coleção completa de AFMs, clique aqui.