A chegada inesperada de Stannis Baratheon no extremo norte representou um dos momentos mais memoráveis do final da quarta temporada de Game of Thrones. Os selvagens são detidos, Stannis controla Castelo Negro, e organiza suas peças com um exército disciplinado e bem equipado, para trazer toda a sorte de novos problemas à Porto Real. Ele também pode dar às pessoas inocentes de Westeros alguma esperança de uma defesa decente contra os Caminhantes Brancos uma vez que inverno está finalmente chegando.
A última vez que vimos Stannis antes desse episódio, ele estava com poucos homens e navios, passando o chapéu no Banco de Ferro de Braavos, o que deu certo sucesso até, pois agora apareceu com um grande exercito.
O site The Conversation fez uma excelente analise da relação entre Westeros e o Banco de Ferro de Braavos que conhecemos lá no episódio 06, explicando por que o banco apostou em Stannis.
A série tem mantido conscientemente os homens do dinheiro à espreita principalmente nas sombras, exatamente como um banco iria gostar. Um jogador poderoso que parece querer influenciar o jogo em Westeros ao invés de participar, o Banco de Ferro evoluiu para uma instituição que combina tudo de melhor (ou pior) das características de um banco de investimento, do FMI e da Máfia.
Varys, o mestre dos sussurros, entende a natureza do poder do banco melhor que a maioria. Em uma cena da segunda temporada Varys diz um enigma a Tyrion:
Posso deixá-lo com um pequeno enigma, Lorde Tyrion? – não esperou resposta.
– Numa sala estão sentados três grandes homens, um rei, um sacerdote e um homem rico com o seu ouro. Entre eles está um mercenário, um homem pequeno, de nascimento comum e sem grande inteligência. Cada um dos grandes pede a ele para matar os outros dois.”Faça isso”, diz o rei, “pois eu sou seu governante por direito”. “Faça isso”, diz o sacerdote, “pois estou ordenando em nome dos deuses”. “Faça isso”, diz o rico,”e todo este ouro será seu”. Agora, diga-me: Quem sobrevive e quem morre?
A lição da charada de Varys é que “o poder reside onde os homens acreditam que reside, nem mais, nem menos”, e isso é ainda mais pertinente para a instituição que todos os reis e requerentes de Westeros parecem temer, o Banco de Ferro.
O trabalho de um banco é uma questão de controle de riscos, entre outras coisas. Em geral, o emprestador vai saber mais do que o banco sobre a sua própria capacidade de reembolsar um empréstimo, portanto, uma das precauções que um banco vai tomar para reduzir seu risco é descobrir tanto quanto possível sobre a capacidade do emprestador de pagar. A Microeconomia chama isso de um problema de informação assimétrica (um dos lados tem mais informação que o outro). Em um mercado legalmente regulamentado, há uma série de mecanismos legais e contratuais para cobrir este risco, desde um bem para servir de garantia, até as medidas judiciais que o banco pode tomar para fazer cumprir essas dívidas.
Mas no mundo moderno, e Braavos parece ser baseada em sistema similar de um época em que esses mecanismos institucionais ainda não tinham sido bem desenvolvidos, forçando o banco a chamar alguns “contratados” para cobrar sua dívida: mercenários, equivalentes a Bronn e seus companheiros por exemplo.
O Banco de Ferro, no entanto, tem se desenvolvido muito além desse esquema de agiotagem comum. Em um dos anacronismos criativos que enchem o gênero de fantasia, a instituição é agora uma ativa “ajustadora de regimes”, uma instituição dedicada a transformar o crédito em controle, deixando reis mortos e programas de ajuste estrutural por onde passa.
Uma passagem dos livros, que ainda não foi ao ar na televisão, ilustra bem isso:
Quando príncipes dão o calote de suas dívidas aos bancos menores, banqueiros arruinados vendem suas esposas e filhos para a escravidão e abrem as suas próprias veias. Quando os príncipes não restituem o Banco de Ferro, novos príncipes surgem do nada e são levados ao trono.
O banco emprestou uma soma considerável para os reis de Westeros antes e agora a situação em Porto Real, como Davos aponta, não é favorável para que devolvam seu dinheiro. Tywin era pelo menos capaz de manter as coisas organizadas, mas a perspectiva de um rei menino com Cersei como regente é uma receita para o conflito continuar. Não está claro até aqui o quanto o banco sabe sobre Daenerys e seus dragões, mas uma vez que ela teria que transportar seus exércitos através de meio mundo até Westeros, uma alternativa mais próxima seria útil.
Que o Banco de Ferro busque uma mudança de regime em Westeros ao apoiar um rival está longe de ser inconcebível. Emprestar a um governo que é menos do que assíduo em manter seus pagamentos seria um terrível erro a menos que você tivesse a capacidade de garantir que alguém mais razoável possa ser colocado no poder.
Vimos esses movimentos no mundo real também, onde discretas movimentações das mãos de financiadores foram percebidas por trás de golpes de Estado e mudanças de regime. A renúncia de Silvio Berlusconi como primeiro ministro italiano e a mudança de governo que se seguiu à crise financeira na Grécia, foram ambas pressionadas por financiadores, neste caso, os representantes do FMI, do governo da Europa e do Bancos Centrais.
Isto naturalmente leva a uma consideração interessante sobre o encontro entre Stannis e o representante do Banco, Tycho Nestoris. Os números sobre a qual o Banco de Ferro prefere basear suas decisões eram desfavoráveis para dizer o mínimo. Stannis tinha poucos homens e menos navios, não o suficiente para ter de volta o trono, e quase nenhuma capacidade produtiva para apoiá-los.
No entanto, Tycho é influenciado não por números, mas por uma história baseada nos personagens da população envolvida. Uma Westeros sem a influência de Tywin é o caos da regência de Cersei Lannister, e um Banco de Ferro que já emprestou 3 milhões de dragões de ouro está exposto a mais riscos do que ele gostaria. Davos, usando seus próprios dedos como exemplo, convence o banco que a palavra de Stannis é confiável, ou pelo menos melhor do que o regime liderado pelos Lannister.
Um paralelo final entre o universo de Game of Thrones e o nosso mundo encontra-se na fundação da própria Braavos. A origem de Braavos se deu em decorrência de um motim numa das frotas valirianas, no qual os escravos tomaram os navios e fugiram para o mais longe possível dos seus mestres. Os refugiados encontraram uma laguna cercada por um manto de névoa e lá se desenvolveram construindo calmamente uma rede de comércio. Comércio, é claro, requer financiamento para mantê-lo ir, daí a importância do banco.
Na Europa, os bancos também começaram como um negócio de estrangeiros: dos agiotas judeus de Veneza para os dissidentes do século 18, nem sempre foram valorizados, mas eram necessários – uma economia sem crédito veria deflações de longa duração e baixo investimento em capacidade produtiva, como forjas, ferramentas agrícolas ou navios.
A modernidade deve a sua própria dívida a estes forasteiros que começaram em risco o financiamento extra-legal e, lentamente, se estabeleceram. Sem elas, o nosso mundo não poderia ter acontecido. Talvez o jogo de poder de apoiar Stannis um dia vai ser visto como o primeiro passo no sentido do mundo de Westeros sair da era pré-industrial rumo ao mundo moderno.