“Those are brave men knocking on our door. Let’s kill them.”
 Na noite do último domingo a HBO apresentou ao mundo a melhor sequência de batalha que a televisão já viu. É claro que a gente já tinha visto cenas muito bem produzidas e lindíssimas em séries como Band of Brothers por exemplo. Mas, de certa forma, não há nada de novo no que diz respeito a 2ª Guerra Mundial. A gente viu isso em nossos livros de história na escola e faculdade, em meia centenas de filmes, fotos e vídeos reais. Uma batalha com fogo-vivo, não. E apesar de se tratar de um elemento fictício inspirado no fogo grego, ele não deixa de ser um elemento novo. É belo, terrível, verde, fluorescente…  é mágico. Não é como se a gente tivesse visto algo parecido com isso antes. Além disso, Blackwater possui algo que raramente uma outra situação de batalha ou luta sugere: a de que você definitivamente não sabe pra que lado torcer. Quem é pior: Joffrey (e sua turma) ou Stannis (e sua turma)? A análise a seguir contém citações a passagens dos livros que ainda não foram abordados na série (spoilers). Antes de pular pro texto, leia a resenha sem spoilers com a recaptulação do episódio clicando aqui. Eu sei que qualquer comparação boba com os livros nesse episódio em especial é besteira. Mas vocês pediram. Vamos lá.

O episódio já começa com Stannis se aproximando da Baía enquanto muitos de seus homens já estão passando mal pelo nervosismo aliado ao enjôo em alto mar. O plano sequência dos homens de Stannis remando em direção a guerra é belíssimo. Neil Marshall, diretor de episódio, é o tipo de cineasta que consegue explorar a fotografia noturna de maneira muito realista e intensa. O clima é tenso. Enquanto Davos e seu filho conversam no deck do navio, em Porto Real Tyrion e Shae se prometem e Cersei descola de meistre Pycelle uma dose generosa de sonodoce para fins malignos que até então não éramos capazes de compreender quais.

Stannis
foi avistado e os sinos de guerra ecoam. Tambores! A hora de todos começa aqui.

Para começar com as comparações aos livros, posso citar o óbvio fato de que as cenas se passaram à noite, enquanto no livro elas acontecem à luz do dia. A sensação claustrofóbica e sinistra que a fotografia escura das locações nos passou ali intensificou todas as tragédias em potencial que estariam por vir. Vamos falar sobre como o início da batalha acontece no livro? É mais ou menos assim: o ataque Stannis é duplo. Enquanto ele tenta atracar uma frota de duzentos navios, grande parte de suas forças está alocada na margem sul, construindo barcos e balsas rumo a investida. Enquanto isso, Tyrion Lannister envia os seus membros do clã bizarro (que no livro ainda aparecem frequentemente em sua companhia) para a mata do Rei sob supervisão de Shagga. Quando a frota de Stannis chega, em pequeno número, começa a ser atacada e incendiada de leve (os soldados Lannister estão atacando Davos do lado de dentro das paredes). Quando Davos tenta sair, é tarde demais. Todos os navios estão atracados e presos na corrente. Black Betha (nome em homenagem a esposa de Davos) prende todos os outros, ninguém consegue se mover. Homens começam a pular na água, pegando fogo. Caos. Um dos navios está em chamas, depois de algum tempo uma grande explosão. Davos é jogado ao mar e na água, e é transportado pelo fluxo rápido da água do rio. Uma massa de fogo dos navios destroçados é prensada contra ele. Davos tem um último pensamento nesse episódio, que é o de que não conseguirá passar pela “boca do inferno”de fogo.

Acredito que nesse episódio a narrativa de Martin optou por desenvolver novelas recortadas dentro do episódio. Eu interpretei mais ou menos assim:

Davos e Matthos Seaworth: Pecando por mostrar tão pouco o potencial do sor das Cebolas em combate e focando na dramaticidade do diálogo dos dois no começo do episódio e na explosão do Betha Negra, a cena mais brilhantemente bela da noite. Essa parte no livro ficou bem evidente na série: Matthos é toscão. Aqui a profecia de Melisandre se cumpre:

 
 

Joffrey: É uma delicia odiar Joffrey. Destaque para a cena em que ele se despede de Sansa antes de partir pra fingir que estava sendo rei em sua batalha. A maneira com que ele pede para que a garota beije sua espada possui bastante conotação sexual, é nojento e idiota. É Joffrey. O mais sensacional de tudo é que ele sabe que não a atinge com isso. Quando Sansa o compara ao irmão (Robb sempre ataca na vanguarda) ele entende o que ela quis dizer. Que ele é um bostinha. Mas aqui Joffrey perde tudo. Perde seu Cão amigo, perde a máscara de coragem, perde a moral perante seus homens.

O Cão: Quando Cão fica apavorado perante ao fogo, senti por um momento que rolariam algumas cenas de flashback de sua infância em Clagane Hall com o Montanha versão little… De qualquer forma, o Cão nesta noite resolveu… romantizar. Em todos os sentidos da palavra.

No livro este cão louco é muito mais sombrio, forçando Sansa a cantar para ele enquanto segura uma faca contra a garganta da garota. Não precisa nem dizer que o Cão da série é muito mais maneiro.

Lancel: HAHAHAHAHA! Eu sei, ele se machucou. 🙁 Nos livros aqui começa uma puta transformação na vida desse cara, depois do empurrão que ele ganha da Cersei. Prestem atenção neste leãozinho.

Sansa: O que eu achei mais incrível em Sansa foi a capacidade da Sophie de mudar a feição da personagem. Da garota chorosa do início da temporada, ela gradativamente aceitou sua condição de refém (é claro… tentativa de estupro, menarca, etc ajudaram). Deu a sensação de que, de certa forma, a personagem estava se sentindo aliviada com o banho de sangue que rolava do lado de fora. Foi uma maneira de exorcizar seus demônios. Não é como se o papo da drunk Cersei a assustasse. Nem mesmo Ilyn Paine lhe trouxe lembranças de Baelor (1.09). No livro, além da personagem estar desesperada com a presença do carrasco, há a urgência em fugir da fortaleza com a ajuda de Sor Dontos. Ansiei muito pelo momento dessa temporada em que ela DE FATO se lembrasse do pai. Isso aconteceu da maneira mais bonita de todas, quando ela encontra a boneca (feiosa) que Ned lhe deu.

Shae: Essa versão bandida da Shae é ótima, né? Sábia, com faquinha na canela e tudo. O amor por Tyrion (que do ponto de vista dos livros não é algo que Tyrion consegue administrar ou compreender corretamente), o aspecto de ser muito observadora e de aconselhar e até mesmo acolher Sansa…

Cersei e Tommen: Como nos livros a rainha se embebeda e planeja matar todo mundo se Stannis vencer. Menos no que diz respeito a Tommen. Aquela cena final, antes de Tywin chegar ficou linda demais, gente. O que eu acho mais interessante do sonodoce ser introduzido dessa forma é o fato de que nos livros Tyrion descola várias frasquinhos divertidos dessa substância e outras pra tentar dar um blackout na irmã. A cena final é nova e linda demais. Mas a drunk Cersei, isso tem nos livros, né? E cara, que perfeição! Mais vinho por favor:

  

 

Só senti falta de uma frase ótima que ela manda no livro, no que diz respeito a assassinar geral se o castelo for invadido: “The Starks will have no joy from the fall of House Lannister, I promise you.”

Tyrion: o herói, o quebrado, o revolucionário. Um homem que realmente ama o seu país sem parecer dar muito a mínima na maior parte do tempo. Acredito que o papel de Tyrion na batalha foi deliciosamente fiel ao texto original, tirando, é claro o esquema da grande corrente que acabou não fazendo parte da batalha, bem como… o treinamento do fogo-vivo. Sinceramente não acredito que nenhum desses detalhes seriam necessários na TV por motivos óbvios. No final das contas o Meio-Homem liderou o ataque por terra mesmo assim, foi sensacional. Todo mundo do outro lado da telinha chorou.

A cena de Tyrion sendo ferido por Mandon Moore e salvo por Podrick foi, no mínimo, dramática. Talvez não tanto quando no original, mas foi. Ainda não sabemos o que vai acontecer com o rosto dele, mas não acredito que a HBO pretenda transfigurar o rosto do personagem com muito maquiagem, já que ele é um dos rostos mais premiados da indústria hoje. Vamos ver o que rola. Será que Shae o encontrará e cuidará dele?

Bronn: A arma, a conciência de guerra, o inevitável. A cena onde Bronn (Jerome Flynn) entoa Rains of Castemere foi uma gracinha à parte (até porque Jerome era conhecido do mundo pop da música nos anos 90, né?). Sentado no pátio da fortaleza com Aremca no colo (aquela), o líder da Patrulha da Cidade entra em uma pequena discussão com Cão de Caça sobre suas motivações e a guerra. Uma cena que George escolheu sabiamente, tentando apresentar os atos dessas duas personagens tão importantes nesse episódio. Iguais em sua sede por sangue e indiferentes a qualquer tipo de traquejo social imposto nesse universo.

Podrick: O mais literalmente fiel escudeiro de todos. Aliás, quem já leu o 4º livro toca aqui o/ (clap). Foi interessante… Podrick foi sendo mostrado aos pouquinhos nessa temporada. Seu rosto mal era revelado, e não por sua timidez, mas porque os diretores não faziam questão. E de repente, BAM! O mais bacana é que Podrick não possui nada de medieval. Assim como muitas outras personagens, mas isso é assunto pra outra hora…

 

 

Loras: O salvador, um dos melhores e mais habilidosos guerreiros do reino, triunfante em sua vingança contra o assassino de seu rei. Olha só o que o ator postou no Twitter, sobre o episódio e o detalhe que talvez não tenha passado em branco:

Stannis: Dá aqui um abraço, cara. A galera tá reclamando de te ver na liderança do ataque e de te ver subindo escadinhas toscas inapropriadas. Além de TUDO, você perdeu. Melisandre teria varrido tudo com um exército de sombras sinistras e dançaria na cara da sociedade. Isso só mostra como a narrativa dessa história é feita da base do “e se…”. E se Melisandre estivesse ali? E se Ned estivesse vivo? E se Joffrey curtisse brigar? E se Stannis triunfasse?

Tywin: TODAS as cenas em Harrenhal que não saíram dos livros serviram pra esse momento. A temporada INTEIRA construída pra esse momento. É justamente isso que todo mundo pede que Game of Thrones seja: um complemento para os livros. É difícil, mas às vezes eles conseguem. Dessa vez, foi lindo.

Não vou me debruçar sobre alguns detalhes sensacionais, como o aríete, os tambores, os efeitos especiais, a violência extreme e o belíssimo vestido da Cersei porque… bem, ainda não encontrei as palavras certas. Só posso dizer que, desde a excelência do texto, efeitos especiais e do cuidado de mostrar todos os personagens secundários como protagonistas até o uso da trilha sonora e das mudanças em relação ao texto original (Clash of Kings): este episódio superou todas as expectativas de todos os espectadores de Game of Thrones, elevando a série a um nível de televisão que ninguém havia visto antes. Quando os créditos começaram a subir na tela e a voz de trovão do Matt Berninger reverberou nos nossos ouvidos, mal conseguíamos encontrar palavras pra expressar os nossos sentimentos. Eu particularmente meio que só queria assistir tudo aquilo de novo, e logo.

O último episódio da temporada bate a porta e é quase sufocante a sensação de que essa temporada não funcionou episódio por episódio, como a primeira. O segundo ano de Game of Thrones trouxe bastante controvérsia ao apresentar aos espectadores essa narrativa parada com momentos de clímax orgasmáticos, como nos livros. Os episódios não funcionaram sozinhos. Blackwater só teve essa graça esplendorosa em função a narrativa dos outros episódios que nos foi apresentada, principalmente do ponto de vista de Tywin e do Cão. Os dois homens que vivem pela guerra e que enriqueceram a linearidade da adaptação. É por isso que R. R. Martin precisa continuar a escrever os melhores episódios das temporadas. Que isso aconteça mais daqui pra frente. Please.[x] Em todas as minhas resenhas sempre garimpo imagens e gifs do Tumblr pra ilustrar o texto. Aqui você encontrou imagens retiradas desses sites: wicnetfuckyeahwinterfuckyeahgamegamecaps. Outras são de autoria da equipe do blog. O trabalho desses tumblrs na criação e tratamento dessas imagens é muito bacana, bem feito, completo e especial. Não deixem de acompanhá-los.