Olá! Chegamos à edição de número nove de Pergunte ao Conselho, a seção na qual a equipe do Gelo & Fogo responde a perguntas enviadas pelos leitores. Para enviar sua dúvida ou questionamento, use o formulário que está aqui.
Confira a seguir duas perguntas e respostas desta semana:
Segundo muitos teorizam, o Príncipe Aegon é na verdade um membro da Casa Blackfyre disfarçado de Targaryen. Sabe-se que a Linhagem do Dragão Negro foi supostamente extinta em 260 DC, quando Maelys Blackfyre caiu nos Degraus. Entretanto, é ressaltado que a linhagem masculina se extinguiu, sem menções à linhagem feminina. O príncipe Aegon pode clamar o Trono mesmo sendo (supostamente) descendente da linhagem feminina, uma vez que a linhagem masculina é posta a frente da feminina? Podemos afirmar com certeza que a linhagem masculina está extinta? Pois sabe-se que Maelys e Daemon eram os últimos da Casa Blackfyre, mas não se sabe se eles tiveram filhos ou não, e nem quem foram seus pais. Também há o fato de que Aegor “Açoamargo” Rivers se casou com uma Blackfyre, Calla, filha de seu irmão Daemon I, e não há certeza deles terem tido filhos ou não.
(César Rodrigues B. Filho)
Felipe Bini: Certeza absoluta nunca se pode ter, mas quando os personagens dizem que a linhagem masculina dos Blackfyre, isso é um indicativo de que não existem descendentes conhecidos. Se Maelys ou Daemon tivessem tido filhos, isso provavelmente seria fato conhecido entre os westerosi, nas Cidades Livres e na Companhia Dourada – pode-se dizer que os próprios Blackfyre costumeiramente tiveram esse interesse, para a causa não ser esquecida. O desconhecimento de descendentes Blackfyre por linhagem masculina, portanto, diz muito. Quanto a possíveis descendentes de Calla, eles seriam Blackfyres pela linhagem feminina, visto que Aegor não era um dragão negro.
No que concerne à pretensão de Aegon “Jovem Griff” pela linhagem feminina, a situação tem que primeiro ser abordada quanto à identidade pública do rapaz. Ainda que ele seja um descendente Blackfyre, atualmente ele se apresenta publicamente como um Targaryen, filho de Rhaegar, neto de Aerys (e por aí vai), e é daí que deriva toda sua pretensão. Se no futuro ele se revelar como Blackfyre (o que seria, a meu ver, um enorme tiro no pé, mas admitamos que isso ocorra), só então é que sua legitimidade para o Trono seria discutida.
A questão sobre a possibilidade de transmissão do Trono de Ferro para uma mulher ou por um homem por linhagem feminina é um pouco complexa, e mesmo assim não há resposta absoluta. Em 92, Jaehaerys I escolheu seu segundo filho Baelon como seu herdeiro, embora seu herdeiro anterior (o falecido Aemon) já tivesse uma filha (Rhaenys, que em circunstâncias normais seria a herdeira). Com a morte também de Baelon, um Grande Conselho foi convocado em 101 no qual se decidiu que o herdeiro seria Viserys, filho de Baelon, ao invés de Laenor Velaryon, filho de Rhaenys. Para muitos, estabeleceu-se aí um “precedente de ferro” no sentido de que uma mulher não poderia herdar o Trono de Ferro e nem transmitir o direito para seus sucessores por sua linhagem.
No entanto, o próprio Viserys contrariou esse precedente, ao nomear Rhaenyria como sua herdeira – o que já provou que ele não era tão “de ferro” assim. Embora a decisão de Viserys não tenha sido recebida pacificamente, e tenha resultado na Dança dos Dragões, o resultado dessa guerra civil também significou a transmissão do Trono para um rei por linhagem feminina: Aegon III, filho de Rhaenyra. Segundo Martin, fora dos livros (em 2006), a regra passou então a ser que as mulheres vinham atrás de todos os homens na linha de sucessão – ou seja, apenas na hipótese das linhagens masculinas estarem extintas é que linhas femininas ou mulheres poderiam assumir o Trono.
De fato, embora no período mais próximo da Dança pretensões de mulheres não tenham conseguido sucesso (pela lembrança recente da guerra civil), elas não foram excluídas de forma absoluta. Por exemplo, anos mais tarde, após a morte de Maekar, Vaella, filha de Daeron (o primogênito de Maekar) foi considerada, embora tenha sido ao final rejeitada, muito em função de aparentemente ter deficiência mental.
No período mais próximo dos eventos de As Crônicas de Gelo e Fogo também há exemplos de não-exclusão da linhagem feminina. Quando os Targaryen caíram, a pretensão de Robert era baseada em sua descendência dos dragões, e por uma linhagem feminina – Rhaelle, filha de Aegon V. Também Viserys, reclamante do Trono em exílio, nomeou Daenerys como sua herdeira – e é claro que ela mesma lança sua pretensão, mesmo sendo mulher.
Não existe portanto, regra posta e absoluta quanto a essa questão, não existe uma “proibição” de que alguém lance uma pretensão baseada em linhagem feminina. A análise desse tipo de coisa é sempre feita caso a caso. O suposto precedente de ferro já foi por várias vezes desconsiderado (mesmo em contextos de paz, em que questões eram debatidas sem conflitos armados). Numa situação de guerra civil sucessória e extrema instabilidade política, como é o caso “atual” dos Sete Reinos, precedentes legais tendem a perder ainda mais em força.
Então sim, teoricamente o Jovem Griff poderia lançar sua pretensão ao Trono com base em uma linhagem feminina dos Blackfyre. Se isso vai chegar a acontecer com uma revelação pública e voluntária (dele ou de seus apoiadores) de que ele na verdade não é quem disse ser quando lançou sua campanha westerosi – e quem ele mesmo acredita ser – é outra história. E como essa pretensão seria recebida pelos lordes westerosi é ainda outra.
Olá equipe Gelo e Fogo, primeiramente parabéns pelo excelente trabalho. Não terminei de ler os livros ainda, atualmente estou na Tormenta de Espadas, mas uma dúvida me veio em relação ao Renly Baratheon e o Loras Tyrell: a relação amorosa entre eles existiu mesmo nos livros? Ou foi só um acréscimo feito pela Série de TV?
(Gilvan Mendes)
Felipe Bini: Olá Gilvan! Sim, a relação amorosa entre Renly e Loras existe nos livros também, embora não a vejamos “ao vivo” (até porque não existe um POV em que isso seria possível). O relacionamento nunca é mencionado abertamente nos livros, mas ao longo deles diversos personagens fazem comentários a respeito que somados deixam bem clara a situação para um leitor atento. Além disso, George R. R. Martin já confirmou expressamente (fora dos livros) a relação entre o dois personagens. A seguir, algumas passagens de As Crônicas de Gelo e Fogo.
Observação de Catelyn durante um banquete em Ponteamarga:
De tempos em tempos, Rei Renly dava de comer a Margaery algum pedaço especial, com a ponta da adaga, ou se inclinava para colocar o mais leve dos beijos no seu rosto, mas era com Sor Loras que dividia a maior parte dos gracejos e confidências.
(A Fúria dos Reis, capítulo 22, Catelyn II)
Diálogo entre Renly e Stannis:
Suspirando, Renly virou-se na sela: – Que vou fazer com este meu irmão, Brienne? Recusa o pêssego, recusa o castelo, até evitou meu casamento…
– Ambos sabemos que seu casamento foi uma farsa. Há um ano conspirava para transformar a moça numa das rameiras de Robert.
– Há um ano conspirava para fazer da moça a rainha de Robert – Renly o corrigiu. – Mas, que importa? O javali ficou com Robert e eu fiquei com Margaery. Ficará feliz por saber que chegou às minhas mãos donzela.
– Na sua cama é provável que morra donzela.
(A Fúria dos Reis, capítulo 31, Catelyn III)
Diálogo entre Loras e Tyrion:
– A Casa Tyrell continua por meio de meus irmãos – disse Sor Loras. – Não é necessário que um terceiro filho se case, ou se reproduza.
– Não é necessário, mas há quem ache isso prazeroso. E o amor?
– Depois de o sol se pôr, não há vela que possa substituí-lo.
(A Tormenta de Espadas, capítulo 12, Tyrion II)
Conversa entre Oberyn e Tyrion:
– Há quem diga que Sor Loras é melhor do que Leo Grande-Espinho jamais foi – disse Tyrion.
– A rosinha de Renly? Duvido.
– Duvide quanto quiser – disse Tyrion –, mas Sor Loras derrotou muitos bons cavaleiros, incluindo meu irmão Jaime.
(A Tormenta de Espadas, capítulo 38, Tyrion V)
Conflito entre Brienne, Jaime e Loras:
– Será tão covarde quanto assassina, Brienne? Terá sido por isso que fugiu, com o sangue dele em suas mãos? Desembainhe a espada, mulher!
– É melhor ter esperança que ela não o faça. – Jaime voltou a bloquear o caminho dele. – Senão é provável que seja seu o cadáver que levaremos daqui. A garota é tão forte quanto Sandor Clegane, embora não seja tão bonita.
– Isto não lhe diz respeito. – Sor Loras empurrou-o para o lado.
Jaime agarrou o rapaz com a mão boa e obrigou-o a virar-se.
– Eu sou o Senhor Comandante da Guarda Real, seu cachorrinho arrogante. O seu comandante, enquanto usar esse manto branco. E agora embainhe a sua maldita espada, senão vou ter que tirá-la de você e enfiá-la num lugar que nem mesmo Renly encontrou.
(A Tormenta de Espadas, capítulo 62, Jaime VII)
Conversa entre Taena e Cersei:
– E o nosso valente Sor Loras? Com que frequência ele visita a irmã?
– Mais do que qualquer dos outros – quando Taena franzia as sobrancelhas, aparecia uma minúscula ruga entre seus olhos escuros. – Visita-a todas as manhãs e todas as noites, a menos que seus deveres interfiram. O irmão é devotado a ela, partilham tudo com… oh… – por um momento a mulher de Myr pareceu quase chocada. Então, um sorriso se espalhou por seu rosto. – Tive a mais perversa das ideias, Vossa Graça.
(O Festim dos Corvos, capítulo 28, Cersei VI)
Além dessas passagens, ao longo dos livros a devoção de Loras a Renly fica clara. Como exemplos, a fúria que o acometeu quando Renly morreu (e que resultou em ele atacar e matar Emmon Cuy e Robar Royce por eles “falharem” em protegê-lo), e a resposta a Tyrion (citada acima) no sentido de que não há quem possa substituir Renly em sua vida amorosa.
George R. R. Martin explicitamente disse que “Sim, minha intenção foi que aqueles personagens fossem gays.”
Embora a série de TV tenha tornado mais explícita a relação entre os dois, o componente do sentimento de Loras por Renly foi totalmente excluído pelos produtores-roteiristas. Enquanto o personagem original de Martin continua fiel a Renly até depois da morte deste, o Loras da TV não perdeu qualquer tempo em se envolver em relações promíscuas com aleatórios.
Enquanto a homossexualidade de Renly e Loras é apenas uma das características dos personagens em As Crônicas de Gelo e Fogo, toda a caracterização do Loras de Game of Thrones é reduzida a sua orientação sexual, como se isso fosse a única coisa relevante e importante em relação ao personagem – ao ponto até de incluírem um plot inexistente nos livros, que é a perseguição da Fé a homossexuais.
Isso resultou em que Loras fosse transformado em uma caricatura de personagem homosssexual, estereotípica e rasa. Facetas do personagem como sua ousadia que beira à impulsividade, a despeito da grande habilidade marcial (que resultam em que Jaime Lannister o veja como uma versão mais jovem de si mesmo) foram totalmente excluídas.
Jane Johnson, editora britânica de George R. R. Martin, chegou a comentar publicamente sua insatisfação com essa adaptação:
@photophoto I've never been happy that they made him a gay cartoon in the tv series: the characterization is much more nuanced in the books.
— Jane Johnson 〓〓💙🇲🇦 (@JaneJohnsonBakr) May 4, 2015
“Nunca fiquei feliz que eles tenham feito dele uma caricatura gay na série de TV: a caracterização tem muito mais nuance nos livros.”
@westerosorg Yes, it's one-dimensional: I'd like more of his heroics – he's been sadly reduced.
— Jane Johnson 〓〓💙🇲🇦 (@JaneJohnsonBakr) May 4, 2015
“Sim, é unidimensional: gostaria mais de seus atos heroicos – ele foi tristemente reduzido.”
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